Com quantas reinvenções se faz uma catástrofe cinematográfica?
Embora os remakes sejam uma praga sem fim em Hollywood, eles perdem feio na briga por maior problema da indústria para algo que resulta da insegurança de executivos e a certeza da criatividade suprema de alguns jovens roteiristas e diretores: as reinvenções. Recentemente, o Homem-Aranha passou por isso com as tentativas com Andrew Garfield no papel do teiudo, que não agradou tanto quanto a versão de Sam Raimi, e lá vem uma nova versão, dessa vez com Asa Butterfield como Peter Parker. Star Trek funcionou mas, precisamos aceitar, é a exceção à regra, pois o mesmo câncer corrói a franquia Exterminador do Futuro. Depois de dois filmes transformadores e marcantes, a série foi vítima de um terceiro filme caça-níquel e totalmente esquecível, logo, qual a solução? Vamos reinventar! O John Connor de Christian Bale até teria bom potencial, mas o resultado aquém do esperado encerrou aquele núcleo e, o que fazer?, mais reinvenção com Terminator: Genisys, claro!
Assim como o público provavelmente já cansou de ver o Tio Ben morrendo no cinema, não há mais espaço para recriações da figura de John Connor. Hora criança sendo preparada, hora líder em combate, hora messias futurística, hora traidor da coisa toda. Quem, de fato, é John Connor? James Cameron plantou uma das sementes mais poderosas de sua carreira naquela pequena sequência do início do segundo filme – com a batalha contra as máquinas – e parece que essa ideia assombra todos os roteiristas e diretores que encostam na série. Ele plantou milhares de possibilidades, com um sujeito durão e fundamental para a resistência, mas as escolhas feitas até hoje nunca chegaram perto da promessa. É aquele tipo de situação na qual o desconhecido sempre vai ser mais atraente do que qualquer explicação.
Logo, aparentemente, a ideia toda parece sabotar qualquer tentativa antes mesmo dela sair do papel. Talvez o próprio Cameron soubesse disso, pois focou seus dois filmes no núcleo Reese-Sarah e no jovem John, muito antes do surgimento do líder, preferindo construir caráter e as primeiras etapas da vida do sujeito. Mesmo assim, Salvation tentou a sorte e as bilheterias responderam negativamente. Sem aprender com a história, e cheia de vontade de fazer algo grandioso, a equipe de Genisys caiu na armadilha. Resultado: um John Connor quase profético, com conhecimento detalhado de absolutamente tudo que acontece até a fatídica viagem no tempo. E esse é só o primeiro tropeço de uma série impressionante de erros que assombra o quinto filme da série.
Há dois núcleos principais em Genisys: Sarah-Reese-T-800, no nosso passado – e num futuro imediato, pré-Dia do Julgamento – e John Connor-Resistência (que não é bem resistência nesse novo filme)-Skynet, no futuro bem distante, pós-Dia do Julgamento. Há tentativa de remake disfarçada de “homenagem” ao filme de 84, que também serve como novo ponto de ruptura das linhas temporais estabelecidas e, daí em diante, Genisys não para de bagunçar a coisa toda por causa de um elemento: Arnold Schwarzenegger. Como justificativa (e o roteiro passa o tempo todo se justificando, como se não tivesse certeza de suas decisões) para o retorno do Schwarza, uma nova linha temporal foi estabelecida com início na década de 70, com o T-800 protegendo Sarah Connor desde a infância.
Tentando emular a fórmula de sucesso de Star Trek, esse roteiro propôs uma reinvenção do universo de O Exterminador do Futuro, mas falhou ao encontrar profundidade e relevância para suas discussões. Com a ausência do medo em relação ao futuro da Humanidade, toda a carga dramática fica centrada na descoberta da nova Sarah Connor (Emilia Clarke, que, nesse caso, não consegue enganar como faz em Game of Thrones) e de sua relação com o T-800, batizado como Pops.
A narrativa fica por conta do filme, falemos sobre as consequências. Bagunça é o melhor termo, pois ele coloca absolutamente tudo que conhecemos sobre a série em xeque e, o pior de tudo, sem ter a menor certeza do resultado final. São tantas pontas soltas e perguntas propositalmente deixadas sem respostas para uma eventual continuação, que não é possível chegar a conclusão alguma sobre quem é essa nova Sarah Connor ou, inclusive, se John Connor – o pilar da história – vai sequer existir no novo futuro. O que, novamente, bagunça tudo, pois John foi o meio de Cameron evitar a pergunta do “ovo e da galinha”. Como âncora da linha temporal, cujo nascimento e sobrevivência precisavam ser preservados, sempre havia algo que conectava tudo. Agora, não mais.
E isso acaba por quebrar a verdadeira ligação entre o conceito e a razão de adoração do trabalho de Cameron, coisa que nem a presença ao mesmo tempo nostálgica e bem feita de Schwarzenegger – a melhor coisa do filme, com certeza – consegue salvar. O cinema moderno é calcado na capacidade do público de se relacionar com os personagens, com seus dramas e demandas. Quando isso falha, tudo cai por terra, não importa quantas cenas de ação grandiosas ou explosões sejam jogadas na tela. A mistura bizarra do T-800 guardião, com chegada de Kyle Resse e a presença inusitada, e fora de hora do T-1000, impedem que qualquer relação seja estabelecida, afinal, nos vemos diante da resolução de vários dilemas jogados de qualquer jeito – familiares a quem conhece a série e totalmente soltos para quem nunca viu nada, o que reduz absurdamente a importância do trabalho de efeitos especiais da ILM para o T-1000 de Robert Patrick em termos históricos.
Mais virada de mesa
Então, eis a “grande coragem” do roteiro: transformar John Connor em parte da Skynet, que, por sua vez, deixou de ser apenas uma rede militar integrada e consciente e passou a sistema operacional autônomo e integrado ao mundo conectado. Ou seja, transformaram o OS de Her, ou o PlayStation10, em vilão capaz de destruir a Humanidade. A ideia, em si, não é ruim, mas a execução é uma vergonha, pois, embora a dobradinha Connor/Skynet queria convencer o mundo a se unir a eles, os roteiristas esqueceram de dar qualquer razão para que a tentativa seja bem-sucedida. E, por via de regra, quando o vilão não é nem tentador, nem tão ameaçador, ele se torna irrelevante. A tentativa de crítica social, de que tanta conexão e dependência pode nos matar, é um tiro n’água.
Cameron conseguiu criar cenas icônicas em seus dois filmes. Genisys tenta na ponte, tenta na luta contra o T-1000 e tenta no final, mas só consegue um impacto superficial. As piadas de Schwarzenegger e sua figura paterna são responsáveis pelos melhores momentos do filme, que até arrancam torcida e justificam o passeio pela lambança temporal. Sua atuação agrada, descontraí e se encaixa até mesmo nas cenas de ação, mostrando um lado do T-800 que nunca foi visto antes. Essa é a única justificativa para todo o circo, pois Schwarza merecia um retorno, mas merecia algo melhor, tão relevante para o cinema quanto os dois primeiros filmes. Alias, parece que o pior erro de Genisys foi não ter ousado na parte técnica, em limitar-se a ser apenas mais um filme de ficção científica. Em muitos casos, ser bom já seria o suficiente, mas numa franquia como essa, só isso não é o suficiente. J.J. Abrams sabia disso com Star Trek e ousou, nesse caso, não há ousadia.
Há um claro desespero de uma história que não se convence da própria veracidade, que não para um segundo como se temesse diálogos mais profundos e cuja edição deixou fora, talvez, o arco de maior importância: a Skynet. Matt Smith, de Doctor Who, teve sua presença alardeada e, confesso, me fez querer ver o filme, para vê-lo fora do universo do Bom Doutor, mas ele foi chacinado na ilha de edição e seu personagem não passa de mais uma ponta solta dentre tantas, fazendo até com que a Skynet do tenebroso terceiro filme pareça mais interessante.
Como de costume, Jai Courtney não convence em nenhum papel e pouco agrega como Reese. Emilia sofreu com a falta de direção e personagem mal escrita. J.K. Simmons – um dos melhores atores do mundo em atividade – foi subutilizado, transformado em piadinha sem graça, e Scharzenegger ainda encontrou meios de superar as falhas e mostrar serviço, mas só uma andorinha não faz verão.
O fracasso retumbante do filme nas bilheterias, e na opinião do público, é reflexo da covardia da história, de um meta-filme, mais preocupado em referenciar o original do que contar sua própria narrativa e que optou por ignorar completamente o filme anterior. Quantas versões de John Connor ainda precisaremos para perceber que, na verdade, ele é o grande McGuffin de O Exterminador do Futuro. Continuar tentando descobrir quem ele é, nunca vai levar a série a lugar algum.
Porém, uma outra pergunta, a série precisa mesmo ir para algum lugar? Os dois primeiros filmes são autocontidos, a série de TV não agregou muito e não há uma continuidade narrativa definida – afinal, os direitos de O Exterminador do Futuro rodam mais que a roda-gigante – e fica cada vez mais claro que toda a característica inovadora estava mais ligada à natureza de James Cameron em vez do cenário em si. É a mistura certa que gera um bom filme. George Lucas que o diga, afinal, ele sozinho foi incapaz de repetir seu êxito com um time azeitado décadas antes.
Em breve, os direitos da franquia retornam a James Cameron, mas a torcida maior não é por uma nova versão, mas sim pela decisão acertada de deixar John Connor, e sua família, descansarem. A missão já foi cumprida. Vencemos a guerra e a Skynet foi derrotada. Para que continuar insistindo em recomeçar tudo de novo? Há outras batalhas a serem travadas!