“Se você desistir, o que isso diz sobre você?” – BARRETO, Fábio M.
Bom, esse sou eu desistindo.
Por anos, muita gente me conheceu por essa frase e encarou o conteúdo como extremamente motivacional. Eu também, confesso. Sempre olhei pelo prisma do “quem desiste não perseverou o suficiente”, “desistir é sinal de fraqueza”, ou até mesmo, “desistir é covardia”. Entretanto, ao longo dos anos, falhei ao compreender que essa frase não era unicamente motivadora, ela tinha outra função – e talvez seja a principal, a razão de eu ter pensado nisso – e só esbarrei nela recentemente: é uma frase profunda de autoconhecimento. Uma pergunta capaz de descobrir coisas fundamentais sobre cada um de nós. Nada de autoajuda ou exagero, apenas uma pergunta cuja resposta sincera, de fato, diz quem somos.
Se você desistir, o que isso diz sobre você… que você teve a coragem de tentar, mas não deu certo? Que ousou contra tudo e contra todos? Que não teve forças, ou condições, suficientes para ir até o fim? São tantas coisas. Você tem a sua resposta, eu tenho a minha.
Mas, para compreender a profundidade do questionamento, precisei passar pela situação proposta. Neguei o significado inicial, que sempre me empurrou na direção do “nunca desista, nunca se renda”, e aceitei o fim de algumas coisas.
Numa noite fria e com uma garoa forte, passei uns 20 minutos na minha sacada, pensando em erros e acertos, sonhos e pesadelos, no que diabos estou fazendo longe da família estendida, e para onde caralhos vai a minha carreira – se é que tenho uma, mas falarei disso mais para a frente. Foi nesse momento que, longe de tudo e todos, sendo totalmente sincero comigo mesmo, desisti.
Do quê? É a pergunta mais óbvia, claro. Desisti de escrever? De ser jornalista? Das redes sociais? Da família? Da vida? De viver? De acreditar no futuro? De valorizar o presente? Ou de lembrar do passado? Todas essas, e algumas pessoais demais para aparecer aqui, surgiram. Foi uma conversa franca, sabe.
Desde que optei pela cultura como ramo de atividade, as coisas sempre foram difíceis. Talvez por isso eu tenha conquistado tantas coisas, afinal, sempre havia um monstro a ser vencido. Curto um pouco a adversidade, o desafio, adoro bater prazos malucos e “fazer coisas que só eu sou capaz”. Por um bom tempo, adotei o lema do Wolverine como meu: “sou o melhor no que faço.” Coisa boba, eu sei, mas eu era bem mais jovem e isso me blindou quando necessário. De certo modo, estou passando pelo que Edward Bloom passou no ótimo roteiro de John August para “Big Fish”, dirigido por Tim Burton: eu era um peixe grande por aí, virei um lambari como tantos outros aqui.
Todas as consequências dessa realidade me afetam de tempos em tempos, afinal, o passado sempre me assombra. Seja a morte da minha tia Elenice, na minha frente, seja um começo meteórico no maior jornal do país (profissionalmente, como superar 4 anos de Estadão?!), sejam os erros e inimizades reunidos ao longo dos anos por conta da postura “eu posso tudo”. Bom, eu posso, mas fui ensinado a ser honesto e sincero. Pessoas não gostam disso.
Será que eu gosto? Parece ser natural do ser humano nunca gostar desses safanões sem frescura. Aprendo muito com eles, logo, se eu tiro proveito, achava que outras pessoas pensariam a assim. Bem, não. Logo, sou “arrogante, metido, espertão, babaca, etc”. Paciência, não posso mudar mais nada. De tempos em tempos, eu ligo para pessoas que acredito ter machucado com isso, peço desculpas. Nunca fazem isso comigo, mas eu faço mesmo assim. Quase nunca deu certo. Duas vezes para ser exato, o resto não dava a mínima mesmo.
Mas, enfim, para não perder o fio da meada, isso me traz de volta ao ponto: Desisti.
Desisti de ficar pensando no passado (embora essa não dependa de boa vontade), desisti de correr atrás de amizades unilaterais e, a maior de todas, desisti de tentar ser quem você, e todo mundo que consome meu trabalho, espera que eu seja. Fui atrás da última lembrança de satisfação e felicidade pessoal & profissional. Várias apareceram, para minha surpresa. O lançamento do C.O.N.T.E., o lançamento de “Filhos do Fim do Mundo”, as circunstâncias que me levaram a lutar pela minha esposa, a entrevista de emprego no Estadão, a criação da JediCon… e tudo isso tinha algo em comum. Embora tenha deixado muita gente puta da vida comigo, em todas elas, eu fiz o que achava certo. Pensei só no que, e como, eu queria. Fui arrogante e egoísta? Para os outros, talvez. Mas, para mim, fui sincero e agi da melhor maneira possível. Quer dizer, nunca na vida fiz algo que achava errado, só para deixar claro. Já errei, claro. E feio. Enfim, nessas ocasiões, era eu contra o mundo.
E, a meu modo, ganhei as brigas, moldei meu presente e construí esse futuro no qual vivo.
Desde o lançamento de “Filhos do Fim do Mundo”, tente “ser melhor” e ouvir os milhões de conselhos de colegas, ex-amigos e amigos nas redes sociais. Tentei mudar, agradar, virar produto, “criar uma imagem agradável” para o consumidor. Porra, eu não sou assim. Nunca fui assim e, quase aos 40 anos, duvido que consiga ser assim. E esse foi uma das piores decisões da minha vida, pois deixei de acreditar na minha voz, nas minhas decisões e na minha experiência. Outro dia caiu a ficha, tenho 21 anos de carreira. Tenho mesmo que seguir à risca algo que um escritor famoso que começou a menos de dez, só por ele vende mais livros que eu? Alias, desde quando as vendas de livros ou acessos no podcast definem como vou lidar com você ou mesmo com a minha família? Eu não sou produto. O que eu faço é produto e ele só existe por causa minha cabeça dura, insistência e experiência.
Quando decidi ser o que o mercado precisava, não quem eu era, deixei de ser tudo.
Desisto. Desisto. E desisto.
Resisti tanto tempo no mercado da cultura por ter opinião forte, por não fugir da raia (já fui ameaçado de morte por perueiro, corri para dentro de posto de gasolina em chamas para salvar gente), por acreditar no meu instinto. Sempre deu certo? Não, mas os erros eram 100% meus.
Desisto de errar pelos outros.
Então, se eu desistir, o que isso diz sobre mim?
Que nunca posso esquecer de quem sou. Projetos vão e vem, eu sempre estarei por aqui.
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Os textos desse blog/categoria são totalmente pessoais. Se quiser comentar, fique à vontade, mas eu tenho todo o direito de apagar, bloquear, banir ou colocar seu nome na boca do sapo!
Olá!
Desistir de coisas que não lhe servem mais é uma qualidade. Sorte em sua nova caminhada.
Abraços!
vamo que vamo! espero que goste do blog. várias coisas legais planejadas! =D
Desistir de algo é abrir espaço para começar o novo. Te acompanho desde algum tempo, primeiramente pela satisfação em ter um xará que é autor e que escreve sobre cinema, hoje pela sinceridade presente em cada texto lido. Ao longo desse tempo já desisti de muitas coisas nessa vida, mas lendo o seu texto pude finalmente me recordar dos sonhos, caminhos e descaminhos que deixei ao longo do meu percurso até aqui. O amadurecimento é uma constante. Parabéns pelo blog!
senti algo por aí também. foi duro passar anos ouvindo que “deveria ser assim ou assado”, tudo que fiz foi tentar, pois, no fundo, nunca consegui me moldar por marketing. é um superpoder que eu não tenho! haha
A “desistência” é o seu próprio limite no clímax de uma resolução: mesmo que a resposta exista, o orgulho de ter conquistado o autoconhecimento passa a ser o bastante.
(Adoro o seu trabalho. Esse post foi uma das leituras mais profundas de tudo o que já li de sua autoria, Fábio. Obrigada pelo desabafo e sinta-se livre pra fazê-lo sempre que puder/precisar – pois também é terapêutico…)
oi Lainni, valeu.
acho que já escrevi coisas bem mais profundas que essa, mas foi um desabafo há muito ignorado. precisava colocar para fora e agora foi.
eu precisava de um espaço para “ser eu”, sabe? trabalhar o tempo todo tem me feito muito mal, então, vou exercer esse lado mais pessoal por aqui e, claro, sem deixar de contar coisas legais, mostrar o dia-a-dia aqui de Hollwyood e dos meus próximos projetos. 😀
Olá, Fábio
Gostei da sua postura de desistência, pois o que sempre gostei em seus trabalhos (livros e podcasts) é justamente a sua autenticidade. Saiba que mesmo “desistindo” de agradar você continua encantando o seu público que, no fim das contas, é quem realmente importa; além de você mesmo, é claro.
Desistir. Por vezes parece a única e derradeira opção. Talvez se aguardamos mais uma noite entre um dia e outro, o desfecho seja satisfatório. Como saber?
Ñ faço a menor questão de entrar em moldes onde pareço eu, mas ñ sou.
Desistência por estratégia; fingir o que ñ sou só por conveniência.
Gostei bastante do texto, embora eu esteja em outro espectro dessa relação com a desistência… Quando olho para o passado, tudo que consigo ver são sonhos esquecidos, carreira abandonada, faculdade trancada. É até engraçado, por que tenho só 21 anos e já larguei um emprego, já iniciei e abandonei duas faculdades e já estou com o nome no SPC por tentar empreender. Isso sem contar as dezenas de ideias para livros largadas em gavetas por aí.
Dá até um certo medo de seguir a vida assim, meio sem rumo…