Evidências ganham importância de provas e imprensa condena o circo do linchamento público, muito antes da conclusão da investigação e, claro, do julgamento público.
Estava fora do país quando a menina morreu, não recebi o impacto inicial da notícia. Aliás, essa tragédia aconteceu bem perto do anúncio de um vídeo no qual uma colegial era espancada por “amigas” só por ter falado mal delas no MySpace. A garota ficou desfigurada. Fiquei sabendo pouco depois da morte da garotinha em São Paulo. Sou pai, portanto, esse tipo de coisa revolta um pouco mais. A partir daí fiquei alguns dias sem ouvir no assunto. Até que cheguei ao Brasil.
Época trazia a matéria na capa: Até quando?. Veja julgou e condenou: Foram Eles! Os jornais diários dedicavam páginas e mais páginas todos os dias às novas “descobertas” e, claro, os canais de televisão surtavam com a mais nova oportunidade de conseguir audiência. É assim que eles vêem, não se enganem. Apresentadores podem ficar indignados, podem se emocionar, mas tudo isso faz parte do trabalho deles e do interesse da emissora/veículo: vender mais. E ponto.
Por que digo isso? Conseguir meu pedaço na polêmica? Antes fosse, é que fiquei mais indignado como que vi do que com o caso em si. Sem dúvida a morte da garota foi trágica e não pode passar impune, porém, o circo que a imprensa montou e a quantidade de pessoas desocupadas que resolveram cobrar por “justiça” em delegacias, cemitérios e plantões das emissoras de TV chegou a ser assustador.
Claro que, em maior parte, tudo isso aconteceu por culpa única e exclusiva da imprensa. Qual o papel dos jornalistas e meios de comunicação num caso como esse? Difícil resposta, mas não consigo concordar com minha classe quando os jornalistas decidem brincar de investigadores ou detetives. O público é volúvel – em qualquer parte do mundo – e em sua ânsia por altos índices de audiência, especialmente a TV, define o que é certo e o que é errado, culpado e inocente.
Não quero opinar sobre o papel do pai e da madrasta nisso tudo. Não fui convocado para o júri popular – que acontecerá, de acordo com o sistema judiciário brasileiro, e terá um grupo de pessoas que assistiu ao mesmo exagero que todo o resto da população – e entendo que a função da minha profissão seja a de reportar as informações disponíveis. Por intermédio das fontes oficiais, de preferência.
Comecei a escrever esse artigo antes de ver, no último domingo, o Fantástico crivar sua opinião sobre o assunto, em dois blocos, e abriu espaço para uma entrevista “exclusiva” do casal indiciado. Curioso, não? Os sujeitos são as pessoas mais odiadas do momento no país e concedem “exclusividade” à Rede Globo. Meu amigo Igor comentou isso muito bem aqui, portanto, deixo isso com ele. Mas esse episódio só reforça o que estou pensando, porém, tecnicamente falando, a Globo acabou fazendo a única coisa “ética” no meio desse bombardeio de teorias e “novidades” sobre o caso durante todo o dia. No dia seguinte, porém, o Jornal Nacional arrepiou a entrevista ao esmiuçar o comportamento do casal durante o depoimento em rede nacional. Dar a mão e depois descer o facão no braço? Bela tática!
O distanciamento jornalístico simplesmente não existe. Excetuando-se um ou outro repórter de veículo impresso, os novos “âncoras de TV” transformaram-se em verdadeiros especialistas em direito, investigação forense e em psicologia. Seria cômico, não fosse pela absurda realidade que isso significa. A Rede Record tem um sujeito que surgiu das fileiras da Igreja Universal e é daqueles tipos que compra a briga indignada da população, mas não passa de um papagaio de pirata transformando tudo em notícia exagerada. Os programas de fofoca da tarde só falam em Isabella, mostrando N especialistas analisando descobertas, perfis psicológicos, mas, de efetivo, só fazem repetir ininterruptamente as imagens de arquivo do edifício onde morava a garota e das cenas da delegacia.
A população, por sua vez, responde da forma mais inadequada possível: pessoas fazendo plantão na frente da delegacia, gente cantando parabéns, visitando o túmulo da menina, e por aí vai. Entendo que mobilização popular seja um caminho para exigir justiça, mas o espetáculo grotesco que assisti não é justificável. Aquelas pessoas já tinham um veredicto claro em suas mentes, assim como a maioria da população.
Foi um festival do bizarro e do exagero. Para sorte da Rede Globo, o show anual da inutilidade brasileira havia acabado. Acho que nem mesmo os índices do Ibope para o Big Brother resistiriam à avalanche Isabella. Ninguém reclamou, porém, do latente aumento em nos números de todos os canais. Todo mundo soube aproveitar, até demais, da situação. Nem mesmo o Terremoto em São Paulo foi capaz de amenizar esse ímpeto. O tremor dividiu a cobertura por cerca de 3 dias e, logo depois, voltaram à carga com Isabella. Voltar à cobertura é obrigação, porém, as “investigações” paralelas voltaram juntos. A Band News chegou a cúmulo de mostrar as “fotos exclusivas das comparações feitas reconstituição”. Uma delas era de um par de chinelos e a âncora dizia com voz séria: essas são as sandálias idênticas às que Alexandre Nardoni usou no dia da morte de Isabella. Realmente, informação que mudou a vida de muita gente!
Ficar reclamando da vida e dizer que “estamos indo para o buraco” é muito fácil, mas inevitável. Mais gritante que isso é meu medo em relação aos rumos que o jornalismo tem tomado. Não guinamos para o investigativo modelo norte-americano e nem descambamos abertamente para os tablóides ingleses, pois estamos num meio termo perigoso. Seguimos com a maré, porém, o ritmo das ondas muda repentinamente e, quando menos esperarmos, podemos ser sugados por elas e nunca mais encontrarmos o caminho de casa. Sempre me pergunto: pode haver justiça caso, por alguma virada repentina na situação, o casal acusado apresente um álibi ou algo do gênero? Eles já estão julgados e condenados. Pela imprensa e pelo povo. Não há mais volta. Culpados ou não, essas duas pessoas são piores que Hitler ou o Bandido da Luz Vermelha sob a ótica da população brasileira, famosa por sua memória curta e carente pelo assunto da vez para discutir na festinha de família, no buteco ou na mesa de jantar. Ótimo tópico, aliás, para quem tem filhos. Já vi crianças com medo de janelas. Será que algum desses grandes “jornalistas investigativos” pensa nesse efeito do que eles têm feito?
Só o futuro vai dizer. Uma coisa pode ser dita com certeza. Os Judas modernos não queimam em postes numa brincadeira de criança, eles são linchados publicamente, por qualquer um que escute uma história ou “descubra” algo novo. Na Escola de Base todo mundo descobriu algo novo também. E era tudo mentira.
Fábio M. Barreto
Gostei da crítica que lí aqui. Não concordo com a totalidade, mas é confortador saber que não é só você que pensa nesta demonstração pública de desprezo pela vida. Confesso que também fiquei curioso para saber o resultado disso, mas ví cenas chocantes: velhas que subiam em alambrados e gritavam enfurecidas, enquanto pareciam estar numa “geral” de estádio alucinada com a vitória do seu time. Pergunto, que vitória houve nisso tudo? Foi feito justiça? Amém. A lei conseguiu trazer de volta a vida que havia se perdido? Os pais estão livres de toda o problema que passaram? O casal, ao sair da prisão, vai ter uma vida digna, uma vez que, teoricamente, já terão “pagado” pelo crime? Os filhos do casal que estão vivos e tem uma vida pela frente serão beneficiados de alguma maneira? Quem ganhou com todo esse espetáculo? Acho que só as emissoras mesmo. Acho que se meu finado avô visse o que vi ontem diria pra mim: meu netim, entre pá dento de casa que esse povo só qué sabê de “furupa”, só gosta de oiá notícia ruim, nenhum “quetripa” desses qué rezá. Vamo drumí que amanhã vovô vai trabaiá. Nossa gente tem pendor para certas coisas que me apavora. Até hoje o povo lembra mais da morte de Tancredo, copa de 50, morte de Ayrton Senna do que qualquer outra coisa.