Muito mais que derrotar John McCain, a eventual eleição de Barack Obama precisa superar a mentalidade expansionista e militar do povo norte-americano. McCain quer lutar e Obama prega a diplomacia a uma nação guerreira desde seus primórdios.

Por Fábio M. Barreto, de Los Angeles

Dias antes da eleição que pode mudar os rumos da Casa Branca, Barack Obama pediu a seus eleitores que evitem o sentimento de vitória antecipada e enfrenta ataques pessoais que tentam ligá-lo a terroristas, anti-semitas e outros grupos considerados ofensivos pelos norte-americanos. Entretanto o calcanhar de Aquiles do senador de Illinois é algo que já vitimou John Kerry em 2004 e que pode ser a grande arma de John McCain: a postura militar de uma nação.

No último debate presidencial de 2004, John Kerry perdeu a chance de se posicionar sobre a ocupação do Iraque, optou pelo discurso paliativo e neutro, deixando de confrontar George W. Bush em sua principal decisão militar. Obama nunca teve dúvidas e, desde o início de sua campanha, defendeu a retirada das tropas e o reposicionamento dos Estados Unidos no mundo. Sua mensagem é clara e direta: mudar o modo como os demais países encaram a nação norte-americana.

Veterano do Vietnã, McCain considera qualquer retirada como “derrota”. Foi durante as Convenções partidárias que o discurso se acentuou e essa importante faceta ganhou valor fundamental, mesmo sendo apresentada de maneira subliminar. McCain encerrou seu discurso de aceitação de forma incisiva, direta e militante: Lutem comigo, Lutem pelo nosso país, lutem comigo! O senador do Arizona falou como militar a uma nação mentalmente militarizada e condicionada a se considerar essencial para a paz no mundo.

Esse é um dos sentimentos mais fortes e arraigados no cerne norte-americano e McCain sabe disso. Não foi à toa que ele denegriu a postura de Obama relativa às Relações Exteriores, conflitos com Rússia, Irã, Coréia do Norte e eventuais atritos com o Paquistão, realçando que, sob o comando de Obama, a nação deixaria de lutar e se limitaria a conversar com seus oponentes. Obama se manteve frio como sempre e não caiu na armadilha do veterano, contudo as bases da disputa ficam bem claras. O democrata quer recuperar uma imagem desgastada e negativa, enquanto o republicano endossa o direcionamento mantido por seu partido nos últimos oito anos e conclama seu povo à luta.

Conviver dentro dessa sociedade permite mais entendimento em torno desse assunto, afinal, para os brasileiros, as decisões militares pouco são envolvidas nas campanhas políticas por conta da natureza pacífica de nosso país. Todavia, num país onde mais de 2,2 milhões de indivíduos cumprem o serviço militar (aproximadamente 0,7% da população), garantir a segurança dessa parcela é fundamental.
McCain conta muito com a participação dos veteranos do Vietnã e da Coréia nas urnas, mas o “voto da mudança” neste ano deve vir de uma geração jovem que conhece a guerra por meio de filmes e video games, ou, pior ainda, os latinos para quem as noções de violência diferem dos combates glorificados da Segunda Guerra Mundial ou das histórias de bravura diante da derrota no Vietnã.

McCain insiste em dizer que sabe como tratar os veteranos, pois muitos deles são pais e avós dessa nova geração, mas deixa embutida a mensagem de que se um novo conflito surgir, ele é o melhor sujeito para guiar a nação em combate. Por experiência e conexões McCain pode dizer isso sem medo e é aí que a vida de Barack Obama se complica.

A campanha republicana tenta mostrar que os Estados Unidos da América vão se tornar fracos e indefesos perante um mundo que os odeia, mas precisa de sua intervenção para se manter em paz. O americano médio não gosta dessa idéia, ainda mais no mundo pós -11/9. A perspectiva não agrada especialmente aos homens, que iniciaram um movimento no aumento da venda de armas de fogo mediante a perspectiva da vitória democrata. Rifles de assalto, que devem ser proibidos por Obama, registraram aumento de 15% nas vendas. Um rifle AR-15 custa cerca de US$ 1,500 e será o primeiro da lista de armas de assalto banidas. Porta-vozes da indústria armamentista acreditam que o incremento nesse mercado está divido entre pessoas que temem um país mais violento, ou que acham que precisarão se defender por conta própria, e investidores que esperam faturar cerca de 300% com a revenda de armas proibidas para lojas.

Mesmo com os ataques, Obama não mudou sua posição e continua favorável à retirada ordenada das tropas do Iraque e à postura diplomática – ele pretende se sentar com lideranças de países tidos como inimigos como Irã, Coréia do Norte e Rússia – antes de agir por conta própria, como na decisão de invadir o Iraque. Entretanto, no último debate, ele deixou claro que, quando se fala em Bin Laden, pode não respeitar fronteiras alheias para encerrar a caça ao homem mais procurado do mundo.

A importância da liderança democrata não aceitar o clima de já ganhou e transmitir isso a seus partidários é muito importante neste momento, pois a diferença, embora positiva, não seja definitiva em prol de Obama. A controversa virada que John Kerry sofreu no último pleito serviu como lição para não baixar a guarda até o último minuto. McCain quer lutar e tem se mostrado disposto a uma boa briga pela presidência, os comícios republicanos não perdem tempo ao questionarem os motivos e idéias de Obama e seus defensores saíram em defesa em rede nacional, com ataques em talk shows da CNN, blogs e programas de rádio.

A guerra aberta está deflagrada. Obama tem a dianteira, mas não está seguro. McCain luta com um histórico e um modo de ser centenário a seu favor. Obama é o novato que quer mudar tudo isso, dar um banho de loja nos Estados Unidos e mostrar ao mundo que o país merece a posição de liderança por mais motivos que apenas suas armas. Hoje, o povo vai decidir se luta ao lado de McCain ou se gostou da idéia de sentar e conversar antes de comprar brigas mundo afora.

Muito mais que dois partidos, dois rumos para um grande país estão em jogo. Como a América nunca fugiu de uma briga, tudo pode acontecer até a apuração do último voto, inclusive novos escândalos da contagem. Se Obama ganhar, o que parece o caso, isso vai mostrar que os norte-americanos não estão somente prontos a eleger um presidente negro, mas, acima de tudo, estão prontos para mudar seu modo de agir e pensar.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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1 Comment

  1. Ótimo texto, Bá. Pra variar… =D

    Ainda digo mais; me atrevo em dizer que o Obama é a prova da reinvenção do American Way of Life que fora distorcido pelo Bush filho. É a prova cabal de que o império americano está refletindo sobre si mesmo, exatamente como você falou.

    Não sou autoridade no assunto, claro, mas acho que a imagem do democrata chega a estampar até mesmo fisicamente a imagem do americano de hoje em todas as suas complexidades: uma mistura de etnias, crenças e culturas. Um símbolo de uma nação heterogênea que quer sim viver em paz, se desvencilhando das amarras preconceituosas e desastres ideológicos que mancharam a história dos Estados Unidos e do mundo como um todo. Só o fato disso ter acontecido já foi uma evolução para o povo americano.

    O complicado é que Obama já começa o governo na dificuldade “very hard”… Vamo ver se segura o rojão realmente. =D

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