Continuando uma série de artigos sobre viver num país em guerra, suas reações e impressões.
A imagem de um grupo de especialistas realizando uma manobra evasiva com um satélite de comunicações inspira modernidade; os soldados sendo guiados e protegidos por caças de última geração incentiva o companheirismo e a certeza da vitória; o marinheiro municiando um bombardeio em ação em águas hostis dá aquela sensação de dever e orgulho; um helicóptero Apache metralhando pessoas numa praça no Iraque demoniza tudo isso e coloca a atuação das Forças Armadas Norte-Americanas em cheque, mais uma vez, em sua longa história militarizada. É muito mais que um simples caso de “fogo amigo” por ser simplesmente a realidade da guerra: se você não é soldado americano, está segurando qualquer coisa que se assemelhe a uma arma fora da Zona de Segurança, sua vida está em risco. Esse é o cenário exposto por um vídeo confidencial que vazou, ganhou força na internet e, agora, levou o soldado responsável pelo vazamento a responder judicialmente. Uma coisa é certa: os Estados Unidos, especialmente seus braços militares, nunca lidaram bem com algumas verdades.
Antes de mais nada, veja o vídeo em questão, liberado pelo Private First Class Bradley E. Manning, 22 anos, em 2007. O material contém cenas muito fortes e, embora filmado à distância, mostra pessoas sendo mortas.
O cinema cria uma sensação de heroísmo, a propaganda incentiva e os videogames contam que matar seus “inimigos” é legal e até mesmo divertido. Na contramão, os noticiários locais das zonas de guerra sempre mostram o poder da destruição, as crianças órfãs ou machucadas, as vidas destruídas. Os responsáveis normalmente pedem desculpas. E o cenário se repete. Desculpas não encerram conflitos, reparam feridas eternas e, claro, não trazem ninguém de volta das pilhas de escombros e corpos resultantes dos bombardeios.
Entretanto, isso não passa de matéria curta nos canais de notícias ou jornais diários, se é que chegam até eles. Falar contra o vencedor não é boa idéia. Bem da verdade, nunca é simples escolher um lado correto nessa situação. Cada um tem sua justificativa [“eles estavam armados” / “eles atiraram primeiro e perguntaram depois”], afinal trata-se de guerra. Homens com o poder de matar. Homens com medo. Homens com desejo pela adrenalina do combate. Mistura perigosa.
O soldado que copiou esse vídeo e permitiu sua divulgação vai ser julgado – e condenado. A acusação é técnica: instalou software proibido em computador do governo e copiou material sigiloso para a máquina em questão. As conseqüências para ele são muito menores que as sofridas pelo Exército, afinal, esse vídeo mostra a morte de doze civis no Iraque. Dois deles eram jornalistas da agência Reuters. As armas identificadas pela tripulação do Apache eram câmeras de vídeo, uma delas inclusive foi encarada como um RPG – lança-mísseis utilizado para derrubar helicópteros e blindados. Fogo amigo acontece mesmo entre unidades militares. E os casos são muitos. Lembro de um deles, na Guerra do Golfo, quando um A-10 Thunderbolt abriu fogo contra uma unidade terrestre. Dez soldados norte-americanos morreram. O avião recebeu informação errada e cumpriu seu papel: atacou o inimigo. Quer um exemplo cinematográfico? O começo de Coragem Sob Fogo, com Denzel Washington e Meg Ryan. Isso não é novidade e não razão suficiente para provocar um artigo idealista antiguerra.
Leia a primeira parte desse especial aqui: Faces da Guerra – I.
Entretanto, coloca em questão o comportamento do Exército norte-americano perante a mídia e o controle de informação que sai da zona de guerra. O conflito do Vietnã ensinou algumas lições nesse sentido. Manter a moral em meio a uma campanha que carece de apoio público é fundamental, mas como fazer isso quando seu maior General – Stanley McCrystal – é demitido depois de abrir a boca para a revista Rolling Stone? Casos assim dizem mais sobre a natureza humana do que, especificamente, o comportamento dos militares. Toda verdade tende a ser incômoda, pior ainda quando se fala em vida e morte de forma diária, literal e, por que não, trivial. Mortes são estatísticas. Inimigos não têm rosto. Mas suas vítimas sim. Nesse caso do vídeo, pelo menos.
Viver num país em guerra mostra vários lados dessa realidade. Não há ação ou tiros por aqui, mas há o medo do terrorismo e a preocupação do preço tanto financeiro quanto pessoal entre os norte-americanos. Guerras afundam países, derrubam presidentes e podem apagar gerações inteiras pelo atrito do combate. Logo, tudo que provém dessa ‘Zona Morta’ na qual matar e morrer são pensamentos constantes é controverso. Quem não vive a situação não é capaz de compreender em sua totalidade, mas, mesmo assim, não mede esforços para julgar e se indignar. É o bipartidarismo, ou melhor, o bi-idealismo, em sua presença máxima: quem apóia é ‘radical de direita’, quem se opõe é ‘antipatriota’ ou ‘comunista’.
Essas linhas se dissipam entre os soldados durante os combates, mas cada nova informação controversa recebida de Khandahar ou Tikrit chacoalha as bases e alimenta o sentimento cada vez maior de “Support Our Troops… Bring Them Back!” [Apoie nossos Soldados… Traga-os de Volta!]. E quando acreditar na missão do soldado e em seu dever de cumprir ordens deixa dúvidas, provoca incerteza e, especialmente, irritação mesmo a uma nação acostumada à noção de Guerra [os Estados Unidos já se envolveram em pelo menos dez grandes conflitos desde a Guerra da Independência], como acreditar que vídeos como esse não sejam o dia a dia dessas regiões e que os sempre idolatrados soldados não passem de caubóis loucos por adrenalina como o personagem principal de Guerra ao Terror? Quando o erro passa a ser a norma, a essência em si se perde e os justos são os primeiros a cair perante a chuva indiscriminada de balas. Sejam elas amigas ou não.
por Fábio M. Barreto, de Los Angeles
Ninguém ganha em uma guerra, na guerra só saem perdedores.
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