[Fotos] Devaneios sobre Lennon e a Neve

A nevasca ainda assustava os passageiros do vôo que acabará de cruzar o país. Era noite quando o avião pousou em Nova Iorque e deixou todos em silêncio ao passar ao lado de uma montanha de neve empilhada no JFK. Assim conheci a neve, na última etapa de um dia que parecia não ter fim. A tempestade de neve assolou NY no final de 2009 e mudou a cara de cidade, pelo menos para mim, já familiarizado com as ruas repletas de turistas, vapores inesperados, taxistas estranhos e eletricidade no ar. Tudo estava branco ou marrom, afinal, a neve depositada no chão inevitavelmente fica suja e se transforma numa lama escorregadia e esquisita. Era um cenário de filme digno para o encontro do dia seguinte. A noite avançava e mesmo com o cansaço, olhei pela janela do 12º andar do Four Seasons para conhecer o lado congelante de Nova Iorque. A neve havia parado de cair, mas seus efeitos, assim como as lembranças, parecem nunca ter fim. No dia seguinte, visitei John Lennon.

Diferente da minha primeira visita ao Central Park, marcada por um hot dog sem graça, muita caminhada e descobertas solitárias, o passeio da manhã seguinte teve um charme adicional. Sem dinheiro, ignorei a Apple Store da extremidade Sul e deixei a relativa limpeza das ruas para entrar no labirinto de branco intenso e intocado. O parque se transformou. Conhecia as ruas e os principais marcos, mas aquele visual me inspirou. Finalmente, a neve! Havia arriscado encostar numa pilha na noite anterior, mas ainda não havia me aclimatado, preferi manter as luvas. O encontro aconteceria no centro verde da cidade. Fria, fofa e, quando compacta, impressionante densa e pesada. Claro que pulei na neve e me diverti fazendo um snowman meio capenga, afinal, era marinheiro de primeira viagem, mas logo segui meu caminho.

O objetivo era um ponto turístico no meio do Central Park, em frente ao prédio onde John Lennon morava e também onde estava quando foi baleado por um imbecil fanático. Nunca havia me preocupado com o Strawberry Fields, mas estava influenciado por mais um período de análise do disco Memory Almost Full, de Paul McCartney e pensei, por que não dar uma paradinha ali? Era dezembro, 2009. Hoje, um ano depois, penso naquela meia hora que passei olhando para o prédio, estudando a estrutura onde videiras crescem na primavera e o grande memorial cravado no chão. Muita gente passava direto, mas todos davam pelo menos uma olhadela para o circulo com a palavra Imagine em seu centro. Não sabia da proximidade com a efeméride, aliás, poucos antes a morte de Lenon havia completado 29 anos. Minha memória não tem registros da morte do cantor. Talvez uma frase perdida na neblina da minha infância, talvez uma referência futura de um repórter da Globo comentando o fato. Mas, naquele dia, algo mudou. Provavelmente a paternidade e a possibilidade de ver o potencial em outra pessoal depois de passar anos buscando a realização de minhas propostas.

Imagine, diz o monumento. A palavra nem precisa de tradução. Imaginei muito, especialmente um mundo sem imbecis com armas, sem ignorância emocional e repleto de boas pessoas. Faltam-me referências para dizer se Lennon era uma pessoa boa ou não, mas esse é o mito que conheci, o cantor que admirei nas primeiras compilações de K7 que tive, nas quais The Beatles dividia espaço com Queen, até que ganhei duas coletâneas ótimas só com os garotos de Liverpool. O Álbum Branco do meu pai sempre esteve presente, ao lado de dois discos do Creedence e um single da Suzie Quatro, mas escutar I Wanna Hold Your Hand, Yellow Submarine e Lucy in the Sky With Diamonds sozinho, no fone de ouvido capenga e tentar entender as letras sem saber uma palavra de inglês foi algo especial. Imaginei coisas boas e isso já deve valer de alguma coisa, especialmente num mundo cheio de gente perversa, destrutiva e vingativa. O sonho pode estar apenas começando. Imagine só.

Preparei algumas fotos para vocês darem uma olhada. 😛

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