Andrew Garfield

Marc Webb aposta na emoção e na crise educacional norte-americana para salvar a franquia em “O Espetacular Homem Aranha 2“.

Houve um choque colossal de universos quando o jovem Marc Webb, recém-saído do bem-sucedido “500 Dias Com Ela”, foi lançado no gigantesco universo centralizado em Peter Parker. Era a mentalidade sentimental de filme independente buscando conformidade frente às exigências de estúdios, uma base de fãs longeva e um personagem carente por reinvenção. O resultado foi o questionável “O Espetacular Homem-Aranha”, que acertou em cheio no elenco com Andrew Garfield e Emma Stone, mas foi claramente afetado por interferências na edição e a exposição de um roteiro frágil. Sozinha, perto dos outros 3 gigantes que controlam o destino dos heróis das HQs nos cinemas, a parceria Avi Arad Productions e Sony Pictures precisava de um acerto. E construíram um, misturando os pontos fortes de Marc Webb e o formatão da Marvel.

Como Marc Webb pode ser mais sentimental e íntimo em “O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Eletro”, ele trouxe à baila um tema tanto atual quanto próximo do espectador: esperança. De certa forma, essa foi a resposta à pergunta levantada no texto sobre Capitão América e a crise de identidade dos heróis. Peter Parker foi buscar em seu próprio reflexo social, e na importância do que faz, alguma razão para continuar a existir. O mote é entregue na forma de um discurso perdido pelo personagem e capaz de defini-lo para sempre. O Homem-Aranha é amigão da vizinhança, o herói que gasta mais tempo salvando gente normal do que peitando supervilões, um representante local e confiável, mesmo perante a campanha pesada da mídia contra suas intervenções.

Esperança é sempre necessária. Em momentos de crise, é na fé em tempos melhores que as massas encontram motivação para continuar, as dúvidas são aplacadas e é possível sorrir diante das mesmas incertezas. Heróis da vida real costumam fazer isso pelos norte-americanos, ao triunfar mesmo diante dos maiores desafios, mas a arte sempre entra no embalo para catalisar esse sentimento e transformá-lo em algo palpável e inesquecível. Ao ver Gwen Stacy fazendo seu discurso inspirado sobre a essência da juventude, o sentimento de invulnerabilidade e a importância de tudo isso para o futuro, foi inevitável pensar na crise pesada que a educação e o mercado de trabalho americano enfrenta com cerca de 53% dos profissionais formados nas universidades saindo da escola direto para o desemprego ou aceitando empregos que, pasme, não requerem diploma. Mencionar o Comediante e seu famoso “O Sonho Americano se tornou realidade e estamos olhando para ele” faz sentido aqui, pois, finalmente, aquele conceito da casinha bonitinha, a família tomando café toda feliz enquanto Papai vai para o trabalho estável e sustentar todo mundo está desaparecendo e uma classe média gigantesca se contenta com a sobrevivência pura e simplesmente. Parte da população ainda vive à sombra desse sonho, enquanto os mais jovens constroem famílias reduzidas, vivem de aluguel e, em muitos casos, adotam uma vida nômade à base da oferta de emprego.

Reflexo Social

Ao ver o Homem-Aranha fazendo graça em meio a uma luta absurda, ou enquanto impede que material radioativo se espalhe por Nova Iorque, vejo todos esses jovens com perspectivas muito aquém das imaginadas durante os estudos e que, na maioria dos casos, resultou apenas numa dívida absurda (a maioria deles continua pagando a faculdade por 5 anos, em média) acreditando na existência de alguém capaz de tirá-los do ciclo da subsistência ou do desemprego constante. Essa é a função do herói? Sim, mas nenhum outro encarna tanto esse espírito quanto Peter Parker. E Andrew Garfield sabe disso, logo, aposta numa proximidade genuína entre o arquétipo pelo qual ele se apaixonou nos quadrinhos e as pessoas por quem ele luta. É uma causa justa e necessária. As pessoas reais e fictícias precisam dela. E o próprio Peter precisa acreditar em algo, afinal, nessa encarnação, ele é oriundo da slacker generation, que se contenta em ficar no sofá e tenta mudar o mundo na tela do Facebook.

Entretanto, ele tem o poder e a habilidade de agir; e o faz. Claro, é a força motriz do personagem e de qualquer história que o envolva, mas traçar paralelos pode ajudar a compreender o sucesso nas bilheterias e a efetividade da fórmula usada pela produção. Saiu a tentativa frustrada de, de acordo com o próprio Avi Arad em entrevista à nossa reportagem, “fazer um filme familiar para emocionar e reinventar o herói”, e entra um longa preocupado com a imagem do personagem, sua influência nas pessoas e os próprios dramas pessoais motivados pela perda e o medo provocado pela insegurança do futuro.

Tudo isso é “jogada suja” da equipe, ameaçada e desesperada para envolver o público. Funcionou, mas algo mais novo e sentimental vai precisar surgir no terceiro filme. Mas Marc Webb já queimou sua dose de mortes fundamentais na vida de Peter Parker, inclusive as que ele mesmo inventou – os pais de Peter. Daqui para a frente, só existe a vida. Só existe o efeito de tudo isso que o personagem enfrentou e os inimigos que criou. Assim como será cobrado por aqueles que restaram e o final do segundo filme é categórico ao mostrar o garotinho incorporando o herói, assumindo seu papel e coragem. Esse elemento é, ao mesmo tempo, reflexo do conceito de que nova-iorquinos são unidos na hora da briga (bem trabalhado por Sam Raimi na trilogia original) e com a necessidade de um guardião com superpoderes. A cidade luta até certo ponto, dali para a frente vira torcedora.

Balança

Mesmo com uma parte técnica brilhante, “ O Espetacular Homem-Aranha 2” erra em diversas categorias, como um vilão descartável e esquecível – Eletro –, é óbvio ao extremo para garantir a compreensão de qualquer tipo de público – mesmo correndo o risco de alienar o espectador mais exigente – e não pensou duas vezes em assumir o formatão da Marvel e tentar, a todo custo, criar inúmeras ligações desse filme com os próximos capítulos e formar um universo mais amplo e atraente. Esse último, porém, pode fazer sentido, afinal de contas, como esse é um filme de transição e preparação para um ápice no terceiro episódio, tal recurso é esperado. Entretanto, dramaticamente falando, soa um pouco forçado.

Porém, as duplas formadas por Peter/Tia May e Peter/Gwen são fantásticos e carregam o filme nas costas com Sally Field e Emma Stone brilhando. O fantasma do Tio Ben, inclusive, parece mais efetivo que o personagem em vida e é impossível tirar os olhos de Emma, em seu melhor papel até o momento. Esse é o ponto forte, pois a emoção está garantida e desencadeia um turbilhão sentimental a partir da metade do filme. O desfecho, igualmente desarmador, é apenas o ponto alto de uma construção dramática efetiva e envolvente. Por conta disso, o filme se sustenta. Pelo menos para o público geral.

Mas até quando o formato que obriga a criação de universos grandiosos, cheios de pontas soltas e referências para os fãs tarja-preta vai se sustentar? Marc Webb apostou e colheu bons frutos, pois precisava tirar aquele gosto ruim da boca provocado pelo primeiro filme. Será que, de fato, tudo precisa ser tão amplo e cheios de possibilidades? Pode funcionar uma vez, mas o mesmo truque nunca é tão legal quanto a primeira vez. A Marvel já está sofrendo pela repetição, e “O Espetacular Homem-Aranha 3: O Filme que Junta todas as Pontas e Mostra Um Monte de Vilões Juntos” pode naufragar justamente pelo artifício que, até o momento, salvou a franquia.

Fábio M. Barreto é jornalista, autor do romance “Filhos do Fim do Mundo”, do conto de FC “O Céu de Lilly” e produz o canal “Barreto Unlimited” no YouTube!

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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1 Comment

  1. Já contei o quanto sou fã do Webb, desde que ele trouxe ao mundo a preciosidade nomeada de “500 Days of Summer”.
    Posso estar sendo extremista, mas eis um dos motivos de eu não ser tão fã dos filmes da Marvel Studios, não consigo sentir conexão com o personagens, nada que mexa com o meu emocional, não consigo “vivenciar” aquilo que está acontecendo com eles no filme, algo, que, de modo grandioso eu consegui sentir nesse filme. E isso foi uma das coisas que mais me fascinou no “The Amazing Spiderman 2”, o “apelo” emocional, o quanto eles nos torna empatico com a situação ali ditada, o quão grande e emocionante é o climax. Sim, pode haver uns errinhos aqui, outros ali, mas, não tira a grandiosidade do filme.
    E volto a dizer, Marc Webb sabe trabalhar muito bem o lado humano e emocional dos personagens.

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