A sensação de urgência e tensão proposta pelos minutos iniciais de Ilha do Medo compõe a primeira camada da trama do melhor filme de Martin Scorsese, no qual descobrir o mistério é a menor das preocupações.
Por Fábio M. Barreto,
de Los Angeles
O resultado do 82º Academy Awards foi considerado pelo Los Angeles Times, por exemplo, como o desejo da Academia de reencontrar a ligação com um cinema mais simples e questionador, ou melhor, relevante artisticamente. Essa discussão vai longe. Conversando com Oliver Stone, consegui a melhor definição até agora, e veio em formato de pergunta que ele fez a mim: “Por que as pessoas insistem em separar entretenimento de relevância?”. Justo. E completou: “Nunca vi essa separação, ou seja, meus filmes não tentam fazer uma coisa ou outra.” Não sei o que Martin Scorsese pensa a respeito disso, mas Ilha do Medo (Shutter Island) mescla essas duas características de forma assustadora e íntima. Entretêm, provoca e surpreende. É o melhor filme de Scorsese, descontando, claro, o punhado de obras-primas que criou ao lado de Robert DeNiro e que o alçaram à condição de mito em Hollywood. E, sem dúvida, melhor colaboração entre o diretor e Leonardo DiCaprio.
Grandes dilemas compõem os personagens da Ilha do Medo. Questionados a cada momento, e de forma velada na maior parte da projeção, os policiais e médicos dessa ilha inóspita que acomoda uma prisão para criminosos com problemas mentais agem de maneira peculiar e obtusa. Há um mistério no ar: uma paciente desapareceu; e o FBI vai investigar, enviando dois agentes – veteranos da Segunda Guerra Mundial – vividos por Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo. Tudo muito estranho, tudo muito mal explicado.
São os elementos perfeitos para o desenvolvimento dessa trama, entretanto, ao contrário do sugerido pelos trailers e campanha de marketing, descobrir a reviravolta incutida na mente do público não é a grande surpresa de Ilha do Medo. Não há certezas, nem mesmo a existência da tal reviravolta. Há perguntas, há memórias terríveis, há algo de errado com aquele lugar. As memórias de Teddy Daniels (DiCaprio) o levam a sua esposa morta e também a um dos campos de concentração da Alemanha Nazista [Dachau, cuja recriação destoa gritantemente de seu design e visual original, lembrando muito mais Auschwitz do que a locação desejada]. Tudo se mistura em meio às investigações de Daniels, até mesmo experimentos mentais nazistas. O desaparecimento ganha tons de ponta de um iceberg gigantesco.
Mesclar tanta coisa sem cair na obviedade e no clichê é para poucos. Martin Scorsese é um deles e sabe aterrorizar. Já o fez em Cabo do Medo. E não precisa de monstros. Faz isso com pessoas, sempre passíveis de causar terror puro aos que os cercam por conta de sua agressividade ou violência. Como não lembrar de personagens como o instável e autodestrutivo Jack LaMotta e o taxista Travis Brickle, a versão humana de uma bomba-relógio circulando pelas ruas de Nova Iorque. “Somos homens de violência”, diz um dos policiais. “Não necessariamente violentos, mas dependentes da violência, ela está a nossa volta”. Eis o grande tema de Ilha do Medo: violência, ou ausência de, e suas conseqüências. Méritos do romance de Dennis Lehane, cuja construção irreparável permitiu tamanha profundidade ao roteiro de Laeta Kalogridis (que assinou o ótimo Guardiões da Noite, mas também fez bobagem em Alexandre, de Oliver Stone).
A guerra é mental. Se a geração Vietnã voltou traumatizada, o que dizer dos homens que descobriram os horrores nazistas? É a luta do sujeito comum buscando balancear um passado atormentado com a chance de fazer o Bem e desvendar o mistério da ilha. Sempre perfeitamente apoiado por Mark Ruffalo e Sir Ben Kingsley, DiCaprio brilha. Seja no sotaque alemão irrepreensível, seja na carga dramática. Não há mais resquícios do garoto de Titanic, assim como ficaram de lado os exageros de Diamante de Sangue ou Rede de Mentiras.
Ancorado por uma trilha tensa e sempre presente, Ilha do Medo lembra o público da violência e no medo. Não do desfecho, mas do que ele pode significar para aquelas pessoas. E essa resposta vem de forma perturbadora e desorientadora. Scorsese dá o maior de todos os golpes sem dó nem piedade, DiCaprio responde à altura e a trilha incita o desespero. Naquele momento, um trio perfeito. E terrível.
Considerar o último dos dilemas causaria desconforto num bate-papo, entretanto, ser confrontado com tal contexto é tiro certeiro no calcanhar de Aquiles. Como se defender do desarme perfeito? Impossível. O filme valeria somente por essa cena, mas ela funciona como clímax para um filme igualmente provocador e instigante.
É a essência do thriller, mas sem sustos desnecessários ou respostas mirabolantes. É o inferno das grandes histórias da literatura, o terror de Lovecraft longe de seus cenários ficcionais, a Matrix do mundo pré-computadorizado.
Confira algumas imagens:
*agradecimento ao Ricardo Rigotti, que revisou e aprovou o texto! o/
Muito bem, estou mais ancioso ainda pra ver esse novo filme do mestre. Sou muito fã desse velho, já vi muita coisa, desde Cabo do Medo, A Cor do Dinheiro, Taxi Drive, em fim… Adoro a grande maioria dos filmes dele, e estou muito ancioso pra ver este. Se não me engano, desde Os Infiltrados, que apesa dos prêmios, na minha opinião não lá grande coisa, que ele não fez mais nada.
Mas vamos ao cinema ver Ilha do Medo, a crítica do Bah é sempre muito completa e não deixa spoilers transparecerem. Parabéns, querido, você é o cara, rssrs…
Abraços!!!
Willtage
“A crítica do Bah”? Bah? SRSLY?
AHUUHAHUAHUAUHAUHHUAUHAUHA
Marty = MESTRE!
Quando vi o trailer, até estranhei ele ser dirigido pelo Martin, talvez por que não vi toda a filmografia dele, apenas os mais recentes. Mas, estou bastante curioso pra ver esse filme… Ainda mais agora, depois de ler sua opinião.
Há, consegui a MOVIE e adorei a matéria com o Jeff Bridges. a Sci-Fi também está execelnte: Curti muito a capa e a matéria do oscar está completa.
Abraço.
Pow, acabei de conhecer o site, muito bem feita a critica, vou virar visitante. Agora só resta esperar o filme chegar aqui, na sexta feira. Valeu Barreto(conheço você do CC, e é um dos meus favoritos).
Fala Pekeno!
Seja bem-vindo! Engraçado como muita gente que ouve o RC, por exemplo, não sabe que eu tenho um site! hahahaha! 😀
O Mauricio vem se tornando um grande amigo, então estamos nos ajudando. hehe
Fique à vontade e comente sempre que achar válido.
Forte abraço,
Barreto
Uau!
Eu já estava com vontade de ver esse filme, apesar do DiCpario, agora depois dessa críticas show, a vontade triplicou!
O “apesar do DiCaprio”, é pq tenho uma certa “birra” com ele, dos tempos do Titanic, o “lindinho, queridinho, isso e aquilo”, e eu não achava nada disso. Aí só depois de Os Infiltrados é que passei a dar um “voto de confiança” ao menino. 🙂
Mark Rufalo eu sou fã, apesar de ser um ator que nunca fez nenhum filme de muito destaque, gosto de todos os trabalhos dele.
E Scorsese…, lembro que qdo assisti Cabo do Medo a primeira vez, nossa, nem sei bem descrever como foi. De tirar o fôlego, dar desespero, essas coisas…
Espero que eu consiga ir ao cinema ver esse filme, essa vida de esperar tudo sair em DVD ou agora em Blu-ray, cansa! :p
Agora com mais vontade de assistir o filme do que nunca, valeu pelo ótimo texto Barreto, Scorsese é o melhor diretor vivo de Hollywood!
Foi bem mal de crítica na gringa, mas é Scorcese, e se for melhor que “Aviador” já tá bem bom, não podemos reclamar.
ouvi falar de umas criticas negativas, mas a unica que li foi esta onde fiquei com vontade de conferir o filme…
Não sei…
Eu fui com uma expectativa tão grande que acabei achando um dos piores trabalhos do Scorsese, sabe não ficou com a cara dele. Fui esperando um “Taxi Driver” da vida, achando que a ilha em si seria mais explorada :p
Minha crítica do filme: http://cinemmaster.wordpress.com/2010/03/13/ilha-do-medo-2010/
Abraços a todos.
SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER
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Então Barreto, tu é da tese que Teddy Daniels é mesmo um veterano de guerra, e não um louco?
Deu a entender pelo parágrafo: “A guerra é mental. Se a geração Vietnã voltou traumatizada, o que dizer dos homens que descobriram os horrores nazistas? É a luta do sujeito comum buscando balancear um passado atormentado com a chance de fazer o Bem e desvendar o mistério da ilha.”
Cara, esse filme é muito bom.
Alisson,
Não creio que seja tese. É a composição do personagem. Ele voltou da guerra, virou policial e ficou louco depois do incidente familiar.
:p
SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER
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Sim sim, perdão, me expressei mal. Quis dizer: Ele era um louco, que estava passando por um teste, ou um cara normal que estava ‘sendo enlouquecido’? auehaeuhuea
Eu saí do cinema pensando na primeira hipótese. Mas quando cheguei em casa vi, em alguns blogs, pessoas discutindo a frase final do Di Caprio: “Vale mais a pena viver como um monstro ou morrer como um homem bom?”
Pra mim ele estava são naquela hora, e se dispôs à lobotomia para se livrar da mágoa de ter perdido a famíla.
Para outros, ele estava são desde o início, e se dispôs a lobotomia porque sabia que nunca conseguiria fugir da ilha.
Agora isso até está claro na minha cabeça, mas quando o filme estava fresco surgiram muitas dúvidas :S
Ninguém falou, mas esse é o mesmo final do Old Boy. 😉
Filmaço!
Ele te coloca numa trama muito envolvente e misteriosa, e quando você pensa que saca o que vai ser o filme ele vem e te joga uma subtrama melhor ainda do que a inicial. Assisti e achei excelente, não só por ter um final surpreendente, mas também por toda a técnica impecável, a fotografia excelente e a direção do grande Scorsese.
Achei o filem sensacional, as horas passaram voando. Não esperava uma virada sensacional do roteiro e até acredito que o filme tenha dado dicas a todo momento. Assim, o final não foi surpreendente.
Ótimas atuações dos atores centrais amparadas por uma Fotografia linda, notadamente nos momentos em que Teddy Daniels tem seus flashbacks/alucinações. Pra terminar aquela frase final que – talvez por ser estudante de Medicina – mecheu muito com a minha cabeça…
Ah, excelente sua crítica Fábio, como sempre. E uma pergunta: vai retomar o projeto do SOS Cast?
Erro de português tosco, meCHer foi forte…
Fabão, você disse tudo quando falou em “a essência do thriller, mas sem sustos desnecessários ou respostas mirabolantes”.
Filmaço!!!
Também escrevi algumas linhas lá no blog, dá uma passada:
http://igordroog.blogspot.com/2010/03/ilha-do-medo-martin-scorsese.html
E por falar em Cabo do Medo, a Cultura lançará com exclusividade no mês que vem uma caixinha contendo o remake de Scorsese e o original “Círculo do Medo”, com Robert Mitchum, este inédito em DVD no Brasil:
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/videos/resenha/resenha.asp?nitem=15009502&sid=91202305312318860839235032&k5=3A830584&uid=
Abraço!!!
Igor
PS: recebeu um e-mail que lhe enviei recentemente?
O filme é fantástico. Achei o melhor de 2010…até agora! 😀
Tbm conheci o site (hoje) e adorei. Mto bem feito e as entrevistas bem maneiras. Vou visitar sempre!
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Bão… Qualquer coisa do Scorsese é cultura com diversão gratuitas e sem o medo de ter que pedir o seu $ de volta.
Sou fã do Scorsese, acho que ate fazendo besteira ele acerta !
E o DiCaprio ? Bom, eu comecei a respeitar-lo depois que o Scorsese o botou nos trilhos novamente.
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