- Enquanto a mídia, e o mundo, preocupavam-se com o avanço do carniceiros da ISIS, o outra grande disputa do Oriente-Médio voltou à baila com o início das negociações entre EUA e Irã. Hoje, Netanyahu – Primeiro-Ministro de Israel – falou ao Congresso norte-americano, criticou a Casa Branca e pintou um cenário catastrófico em caso de acordo nuclear com o Irã. E, mais ainda, paz e Oriente-Médio parecem incapazes de coexistir.
Pouco espaço, muitas tribos, credos, ideologias e muito óleo. Num resumo cru, esse é o Oriente-Médio que, a despeito de sua riqueza cultural e histórica, é palco de conflitos constantes. Julgar as razões é alvo de debates longos, polarizados e perigosos. Afinal, dependendo do referencial, todo mundo é vilão. Israel pelo tratamento aos Palestinos; a Palestina por atacar Israel, e por um não aceitar a existência do outro; as diferenças tribais no Iraque, onde ninguém aceita a opinião de ninguém; a mão de ferro de Bashar al-Assad na Síria; o Irã dos aiatolás, ainda radical, antagonizando o Oeste e pedindo o extermínio de Israel antes, e depois, do café da manhã, mas que sofre embargos comerciais e quer abrir seu mercado; o desejo de liberdade religiosa do ISIS, que surgiu no vácuo de poder criado pela queda de Saddam Hussein (Iraque), Muammar al-Gaddafi (Líbia) e no Sul da Síria, por conta da guerra civil, que exerce sua “fé” por meio de execuções sumárias. E, claro, pela intromissão norte-americana, com ataques com drones, duas guerras e o apoio a Israel. Ou seja, uma zona. Muito disso, alias, são reflexos de escolhas, guerras e mudanças geopolíticas na região que, tirando o desejo pelos lucros do petróleo, parece não concordar em mais nada.
Com a guerra contra o ISIS aconteceu no território que envolve o Sul da Líbia e o Norte do Iraque, nessa semana, o foco subiu um pouco no mapa e voltou a envolver as farpas entre Israel e Irã. Ao longo dos últimos dois anos, os Estados Unidos, com apoio de países como Rússia e China, abriu comunicações com o Irã para um eventual acordo que altere a relação desgastada entre os dois países e, eventualmente, reduza as tensões. Esse pensamento leva a cabo a polícia internacional do presidente Barack Obama, que, em alguns casos, resolveu deixar a política de isolacionismo com alguns Estados de lado e tentar algo novo. O mais recente sendo Cuba. Nesse momento, delegações dos Estados Unidos e Irã estão reunidos na Suíça para tentar encontrar um formato ideal para esse acordo sobre o desenvolvimento nuclear do país.
Porém, como maior interessado na conversa, Israel não deixou barato. Quebrando protocolo e aceitando convite de John Boehner, republicano, presidente da Câmara dos Representantes, Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel, fez algo que Obama nunca conseguiu: falou a um Congresso (em sessão conjunta de Deputados e Senadores) unificado ao redor de sua mensagem, foi ovacionado e, mesmo com um discurso considerado meramente retórico, mostrou que o Congresso/Senado liderado pelos Republicanos quer, o que não era segredo, medidas drásticas, pouca conversa e uma mão mais dura da Casa Branca. Mais de 50 Democratas boicotaram o discurso, logo, com maioria esmagadora, os Republicanos transformaram o discurso numa vitória contra Obama.
E essa situação é politicamente problemática por aqui, pois mostra que as relações entre EUA-ISR passam por problemas e, a despeito dos elogios à administração, e a “certeza de não estarem sozinhos, pois os EUA estão do nosso lado”, Netanyahu – em campanha, com eleições marcadas em Israel em duas semanas – arrancou palmas esfuziantes de um Congresso desacostumado a concordar, nem a portas fechadas.
Para entender essa situação, eis os três lados do acordo entre EUA e Irã:
O que os Estados Unidos e o Oeste querem?
– Inspeções rigorosas;
– Limitação no número de centrífugas para enriquecimento de urânio;
– Remoção dos estoques de material nuclear de Teerã;
– Imposição de limites que impeçam o desenvolvimento de bombas nucleares.
“O principal objetivo é prevenir o Irã de obter armas nucleares. E, nisso, Israel e os Estados Unidos concordam.”
– John Kerry, Secretário de Estado dos Estados Unidos
O que o Irã quer?
– Habilidade de produzir energia nuclear para
– Remoção imediata das sanções econômicas impostas sobre a venda de petróleo e acesso aos mercados financeiros globais;
– O líder supremo, Aiatolá Ali Khamenei, deixou claro que quer construir um parque industrial nuclear completo quando o acordo acabar (que pode ser entre 10 e 20 anos).
“Se os Estados Unidos não removerem as sanções, não tem acordo.”
– Mohammad Javad Zarif, Ministro das Relações Exteriores do Irã.
O que Israel e os críticos do acordo querem?
– Desmantelamento imediato e completo da infraestrutura nuclear do Irã;
– Interrupção das pesquisas do Irã no desenvolvendo de tecnologia balística (mísseis);
– Retirada de qualquer prazo de validade ao acordo;
– Especialmente Israel, quer um acordo mais duro e exige a mudança de comportamento do Irã antes da implementação de qualquer acordo.
“Só posso pedir aos líderes do mundo que não repitam os erros do passado [pois o Irã promete aniquilar Israel constantemente e uma bomba nuclear seria o instrumento para tal fim]; Esse acordo não vai melhorar o Irã, vai piorar o Oriente-Médio.”– Benjamin Netanyahu, Primeiro-Ministro de Israel.
O que o Acordo (que precisa ser definido até o fim de março e assinado até junho) deve envolver?
– Restrição da capacidade de produção nuclear iraniana por, pelo menos, 10 anos;
– Redução gradativa das restrições;
– Irã enviaria parte de seu maquinário para a Rússia;
– Depois do final do acordo, o Irã ainda estaria sujeito a inspeções e proibido de produzir material nuclear apto a integrar uma bomba atômica;
– Ninguém sabe ao certo se o Irã se comprometeria a cooperar e revelar informações sobre os projetos bélicos nucleares já realizados.
Perspectivas
Como em tudo na política e na vida, esse acordo é bom ou péssimo de acordo com a perspectiva de cada um. O maior preocupado na história é Israel e eles têm razão. A proximidade com o Irã e o tamanho diminuto do Estado Judaico são dois fatores relevantes. No cenário de um Irã nuclear, Israel ficaria na defensiva e poderia acordar um dia com 80% de seu território aniquilado por uma ogiva. Claro, isso é cenário mais catastrófico de todos, mas é o que Netanyahu defende e vende ao povo de Israel, especialmente tão perto da eleição. É fácil acreditar que ele garantiu a reeleição ao peitar os EUA no quintal dos caras.
Em seu discurso perante o Congresso norte-americano (veja os principais momentos aqui), Netanyahu foi crítico tanto ao acordo quanto à postura de “mesmo um acordo ruim é melhor que acordo nenhum”, defendida pela administração, citou o Holocausto e as pretensões antissemíticas de Teerã – e o fato de que o Líder Supremo tuitou, em inglês, (sim, é um conceito meio esquisito, mas enfim), aqui (veja abaixo) que o regime de Israel merecia ser aniquilado. Claro, foi um discurso unilateral, pensando exclusivamente no bem-estar de Israel, logo, deve ser encarado como tal. Mas, politicamente, ele viu tanto EUA quando Rússia iniciarem negociações e fazerem acordos secretos com Teerã, o que aumentou a necessidade por ações mais drásticas e abertas. Mas vale lembrar que quando os Estados Unidos estavam avaliando depor Saddam Hussein, Netanyahu garantiu que o Oriente-Médio seria beneficiado pela ação. E não deu certo, claro.
A Casa Branca foi rápida, demonstrou certa ira contra Netanyahu e disse que ele “não ofereceu opções, foi apenas retórico; sem ações realistas”. Obama emendou dizendo que “Não ouviu nada de novo no discurso”. O objetivo da administração é tentar encontrar alguma estabilidade no Oriente-Médio tão caótico desde a Primavera Árabe e da queda de alguns ditadores da região. Escondido atrás de tanta propaganda contra o Oeste, o Irã, mesmo com sanções, foi capaz de desenvolver um programa nuclear, se manter bem financeiramente e só alimentar o radicalismo religioso, sendo, inclusive, acusado de apoiar terroristas da Al-Qaeda. Agora, porém, há relatórios críveis de que um dos principais generais iranianos estão no Iraque, comandando uma das maiores ofensivas das tropas árabes contra Tikrit, a cidade-natal de Saddam Hussein, que caiu nas mãos do ISIS ano passado. Logo, muitas peças estão em movimento na região.
Há uma saída? Muitos críticos, e liberais, pedem a retirada da presença americana por uma simples razão: ela parece prejudicar mais do que ajudar. Presidente vai, presidente vem, e os acordos de paz nunca avançam muito e, vira e mexe, as tréguas acabam em fogo, como a recente invasão israelense a Gaza e mortes de centenas de civis. Bill Maher, o comediante e apresentador de talk-show da HBO, apoiador declarado de Obama, liberal e forte crítico ao extremismo religioso (ou à religião em si), pediu claramente em seu programa: “não está na hora dos Estados Unidos tirarem o corpo fora e deixarem o Oriente-Médio ter a guerra civil que tanto precisam para encontrarem a própria ordem?”.
Uma pergunta dessas assusta, pois é um pensamento que reverbera em muitos outros comentaristas políticos e políticos eleitos. Enquanto os Republicanos adoram bater nos outros, os Democratas ficam sem saber o que fazer perante uma situação que é garantia de derrota: se a influência americana se reduz no Oriente-Médio, Israel, um dos maiores aliados dos EUA, fica sozinho e vai, sem dúvida, enfrentar a ira da região, já que eles são o alvo principal do ódio local (se válido, ou não, são outros quinhentos); o Iraque, que já está em frangalhos, pode desaparecer; o ISIS vai ter que se virar com ira da Jordânia (cujo piloto capturado foi queimado vivo, filmado e postado no YouTube, recentemente), e uma eventual aliança entre Arábia Saudita, Kuwait e, pasme, Irã, que se tornaria uma potência na região. E isso é tudo que os Estados Unidos não querem; ver uma nação antagonista, com liderança religiosa, emergir como líder regional. Essa tendência a pedir um isolacionismo americano faz um certo sentido, pois, internamente, os problemas se amontoam, a nação está mais dividida que nunca na política, o Departament of Homeland Security está praticamente sem orçamento aprovado (embora isso deva mudar nos próximos dois dias) por picuinhas partidárias, assim como o fechamento do Governo no ano passado, e eles precisam colocar a casa em ordem.
Tudo é baseado em interesses, claro. Mas, de forma mais ampla, por que se preocupar com isso? Bem, é simples. Instabilidade maior no Oriente-Médio afeta diretamente o preço da gasolina no mundo todo, pode aumentar ainda mais as atividades terroristas de grupos como ISIS, Al-Qaeda, Boko-Haram que, não contentes em matar perto de casa, pode querer sair cometendo mais atentados em outras regiões do mundo. É um efeito dominó assustador, especialmente por saber que, como disse Netanyahu, qualquer disputa local pode provocar guerras em larga escala. Israel não tem medo de ir pra porrada, mas faz muito disso por ser apoiado pelos EUA. E quando alguém grande, de fato, resolver atacar? Como vai ficar?
As negociações em Genebra continuam, só hoje foram pelo menos 5 reuniões entre as delegações, mas não há informação nenhuma sobre uma aproximação nas exigências de ambos os lados. Mas só fato de saber que os Estados Unidos estão aceitando “dos males o menor”, já dá para imaginar que o futuro por ali ainda não é nada promissor.
Você acha um acordo bom ou ruim? Participe da discussão!
Por mais que o Bill Maher tenha razão e que os EUA não deveriam se intrometer na vida dos outros o tempo todo, o Oriente Medio é um caso a parte. Não involve apenas a questão do petróleo. Os russos não querem americanos perto da zona de influencia deles (Cazaquistão, que tem a terceira maior reserva de urânio no mundo entre outros) exemplo explorado em House of Cards. A família real da Arábia Saudita não quer o vizinho Irã armado pelos russos pois teme perder o poder já que seu povo apoia os iranianos. Pra ter a bomba atômica vc precisa dos chamados supercomputadores que o vizinho do Irã, o Paquistão tem. Já o Paquistão, não tem urânio, mas tem as bombas e problemas com a India que tem quase 20% da população do planeta e também tem bombas atômicas… e por ai vai…
Bem, ao que parece o Netanyahu conseguiu o que queria: aumentar as chances de re-eleição.
Se pra isso é preciso mais uma guerra contra um país que não quer entrar em guerra, não importa.
Rezo muito para que saia um bom acordo nestas negociações, pois a tática de invadir e guerrear já se provou falha. E por muitas e muitas vezes.
Ah, o Irã é comandado por um fanático religioso? É mesmo? Isso é tão diferente do que acontece em outros países por aí?
Este argumento não me diz nada.
Impedir outro país de ter arsenal nuclear, isso sim é importante. Mas pregar uma guerra por conta disso, quando há mais de década tem se conseguido evitar que o Irã construa a tal falada bomba, através de sanções e mesmo assassinato de cientistas iranianos (é, parece que matar cientista de lá pode) me parece sandice.
Ou oportunismo eleitoral dos mais baixos.
Infelizmente na política, em todos os níveis, tentar mudar o que está dando errado há anos é mais combatido que tentar fazer algo que seja novo.
abraços