Quem não tem medo do fim, seja ele qual for, está mentindo. O término de algo invariavelmente leva ao desconhecido, à readaptação de uma situação ou de uma vida inteira. Uma demissão, um fim de namoro, o término de um projeto ou, aprendi recentemente, a mudança de uma fase da nossa vida são fins possíveis. Muitas vezes inevitáveis. Nem sempre surpreendentes, porém definitivos. Influenciado por uma vida de muitos revezes – e, pensando bem, quem é que vence todas as vezes se até o mocinho do filme apanha um bocado antes de uma vitória suada? – deixei os anos passarem considerando um fim inesperado como uma derrota, uma desistência, uma dor. Quando se pensa assim, encerrar uma fase parece uma doença a ser evitada e todos sabemos, doenças só causam sofrimento.
Felizmente, viver permite evolução, permite momentos de reflexão e, às vezes, é a própria dor que traz a evolução do pensamento, de uma ideia, de algo defasado. Mas antes de comentar o momento atual, preciso voltar no tempo e oferecer um pouco de contexto. Coisa rápida, prometo:
Lá pelos meus 19 anos, eu era um exército de um homem só, uma máquina de fazer as coisas que eu gostava. Era fanzine de Star Wars, era fã-clube, era convenção, card game, dezenas de encontros e eventos por mês, tudo isso enquanto era repórter de cultura num dos maiores jornais do Brasil. Foi um momento único. Quando acabou, eu precisava continuar fazendo ou não me consideraria útil. O que muita gente passa hoje, eu vivo desde o começo da carreira, de ter que produzir, ter que ser relevante ou fazer algo de bom para os outros. Enfim, esse pensamento positivo tornou-se uma ferida e ela foi apodrecendo por dentro, sempre forçando a mão e me levando a falha atrás de falha, projetos inacabados atrás de projetos inacabados. E tudo isso culminou com a depressão.
Em resumo, na luta por ser útil, acabei por anular quem eu era, ou poderia ser. Transformei o hoje na esperança do reflexo do amanhã, mas sempre visto por outros olhos, sempre dependente da avaliação, validação e aceitação alheia. Esvaziei uma mente já insegura por uma educação inadequada da periferia e troquei a individualidade por uma existência compartilhada. Eu só existia mediante o leitor das reportagens, do ouvinte do podcast, do leitor dos livros e do aluno dos cursos. Não me arrependo de nada disso, o contrário. Tenho orgulho das realizações, das lições, das trocas, das amizades e vidas que pude tocar.
Com isso, retorno ao momento atual, no qual os projetos estão parados, mas não a cobrança por retomar tudo, para continuar sendo aquela força criativa e executora. Importante dizer praticamente tudo do que fiz aconteceu com apoio de outras pessoas, claro. Ninguém é uma ilha. Mas como nenhum dos projetos trouxe sucesso financeiro, as pessoas seguiram seus caminhos, suas vidas, como deveriam ter feito.
Construí muitas coisas de sucesso. A JediCon, o Conselho Jedi São Paulo, a revista Sci-Fi News, o podcast Gente que Escreve, meus cursos e, espero, uma imagem positiva no meio do entretenimento. Mas nunca fiz fortuna com nada disso. A Sci-Fi e os cursos pagaram as contas, a JediCon foi para os fãs e o podcast foi um presente para a comunidade. Infelizmente, não poder pagar me deixa à mercê de só poder produzir enquanto as pessoas estão dispostas e tem tempo para ajudar. E mesmo com gente muito foda ajudando, chega uma hora em que é preciso observar a verdade como ela é.
O tempo passou.
Eu mudei.
Os projetos tiveram seus momentos ao Sol e preciso aceitar tanto a passagem do tempo quanto a minha própria mudança.
O Gente que Escreve fazia sentido com o Rob Gordon. Ensinar os cursos fazia sentido quando eu tinha acesso aos professores e conteúdos nos Estados Unidos. A Revista Apotecário fazia sentido antes da minha demissão traumática do Ministério da Saúde, quando eu tinha alguma estabilidade mental e financeira. Hoje, nenhuma dessas produções reflete meu momento. Ainda tenho muita vontade de fazer tudo isso, porém a vontade se transforma diariamente em cobrança, em frustração e numa dor imensa pelo fracasso, pela promessa, por não poder entregar aquilo que já ajudou tanta gente.
Ao longo da última semana, enquanto fiquei de cama e com tempo de sobra para pensar, coloquei as coisas nos lugares, fui muito sincero comigo e me perguntei o que eu queria, de verdade, sem depender de ninguém, e a resposta foi meio cafona e bastante real: eu quero paz. Isso significa reencontrar tempo para ficar com meus filhos e redescobrir quem, de fato, é esse pai de família que está fazendo de tudo para sair de um período traumático e voltar a sorrir.
Para isso acontecer, preciso me despedir de alguns pensamentos e deixar as realizações, ou propostas, descansarem.
Em outras palavras, o podcast Gente que Escreve está oficialmente encerrado. Ainda farei um episódio curtinho de despedida e agradecimento só para deixar o feed bonitinho, mas ele não será mais atualizado. Obrigado Rob Gordon pelas conversas, aos poucos convidados e aos diversos editores, artistas e colaboradores que passaram pela equipe. O Gente que Escreve só foi o que foi por conta da dedicação e carinho de vocês!
A Revista Apotecário está oficialmente cancelada. Agradeço a todos os jovens autores que enviaram textos e acreditaram no projeto. Eu acreditava demais, mas a hora dela passou e não sou mais hábil para tirá-la do papel. Aproveito para agradecer ao Maurício Piccini e ao Thiago Reul pelo apoio constante, especialmente na última tentativa de retomada. E à Tatiana Araújo pelo design do logo e das capas.
O Barreto Unlimited já acabou há muito tempo, mas é bom deixar tudo claro. E o Fábrica de Histórias, o projeto do catarse, transformou-se num modo de amigos e apoiadores darem uma forcinha no orçamento familiar, que é uma porrada com 3 filhos no custo bizarro de Brasília. O conteúdo por lá também parou, continuamos aceitando ajuda.
Novos cursos no Escreva Sua História estão suspensos. Você ainda pode fazer o CONTE, se quiser. Ele sempre ficará disponível lá.
Encerrar este texto é difícil, óbvio. E como não seria? Encontro amparo na sensação de paz e tranquilidade vindoura, ao saber que não estarei devendo nada a nenhum de vocês que não seja um novo romance capaz de me empolgar e divertir ou, quem sabe, um filme nas telonas de cinema. Ou então, se for o destino, apenas uma companhia legal para um papo em algum evento por aí.
Por hora, vou abraçar umas crianças e ser um marido melhor. Já está de bom tamanho.
Está na hora de deixar o futuro ser, bem, o futuro.
Obrigado por tudo!
Desejo a você toda força do mundo, pois é sábio saber a hora de parar empreitadas.
Parabéns pelo trabalho até aqui e com certeza você irá continuar nos alcançando.
abração.
Obrigado, xará!
Espero um dia olhar para atrás e considerar esse momento como sabedoria, por hora, ele é marcado por muita dor e incerteza. Talvez até por isso parar seja a melhor escolha, assim eu resolvo tudo isso internamente, sem envolver o público, sem me expor, sem dar munição para quem faz questão de me fazer sofrer. Eu perco boas pessoas como você, pelo menos temporariamente, mas afasto os corneteiros. É um mal necessário.
Continuarei aqui no site, blogando de tempos em tempos. 😀
Até!
Fábio, eu tomei conhecimento do Gente que Escreve há algumas semanas, e maratonei todos os programas do podcast, o que me permitiu acompanhar nesse tempo um período da tua vida (e do Bob Gordon) de 8 anos. É muito louco isso, porque, na minha percepção, era como se tudo estivesse acontecendo em tempo real. Com isso, eu meio que sinto como se tu fosses um amigo. Embora tu nunca tenhas ouvido falar de mim, eu acompanhei as grandes mudanças da tua vida, e me acostumei a torcer por ti. Espero que tu superes esse momento e consigas te reconectar contigo mesmo, e que tenhas muito sucesso no que quer que tu venhas a fazer. Da minha parte, continuarei te seguindo nas redes e torcendo por ti.
Só posso agradecer, Carlos. As palavras do Gente que Escreve já chegaram, e ainda vão chegar, a muitos ouvidos dos quais não saberemos, mas só de saber que você foi uma dessas pessoas, já fico feliz.
Grande abraço e obrigado por tudo!
Adorei sua reflexão.
Eu mal comecei um projeto criativo e estou numa situação parecida. Comecei a te seguir no twitter pois enxerguei sua força criativa. Mas, às vezes até os mais experientes passam pelos seus vales, in plain sight, para um recomeço.
Desejo para você que, depois do repouso de guerreiro, venha um despertar de Fênix.
Abraços
Thiago Carneiro
O mercado não dá mole pra ninguém, Thiago. Vc já deve ter ouvido isso.
Mas quem realmente não dá mole pra gente é nosso próprio senso de cobrança, responsabilidade e expectativa. Já que você está começando, uma sugestão: defina muito bem o que você considera “um projeto de sucesso”. Algo dentro da sua possibilidade, sem querer dominar o mundo. E mantenha sempre isso como métrica. Fazer sucesso nem sempre é ficar rico ou ganhar do Omelete ou do Jovem Nerd (nesse ponto, ngm mais consegue).
Boa sorte!
Tudo que posso te desejar nesse momento é PAZ. Que você encontre a sua ao lado dos que você ama, todo resto é acessório. Ainda torço para ver meu scifi br favorito nas telonas, mas até lá, estou feliz se você puder estar bem. Boa sorte Barreto e obrigado por todos esses anos de conteúdo de qualidade. Abraços.
Continuo na luta pra realizar esse sonho, Lourival. Aliás, estou escrevendo um material sobre a última tentativa de levar “Filhos do Fim do Mundo” pras telonas. Vou publicando aos poucos aqui. 😀
Caro Barreto,
Da minha parte, quero apenas agradecer a todos os ensinamentos, e tudo que você proporcionou de entretenimento e de material de alta qualidade.
Sigo te acompanhando nas redes, e desejo toda a sorte para você e sua Família.
Forte abraço,
BB
Valeu por sempre estar aí, Basilio. 🙂
Deu um tempo das redes. Por outro lado, voltei a escrever aqui no site. Vamos ver se animo a ser blogueiro obscuro novamente.
Abração!
Obrigada por você existir. É difícil fazer este processo que você fez, mas muito necessário e maduro. É um legado que fica eternizado em bits e bytes. Que venha o futuro, a saude mental e financeira e a paz.
Obrigado por VOCÊ existir, Kell.
O processo ainda está em andamento, ainda choro, ainda encontro razões para sorrir, ainda quero jogar tudo pro alto e ir morar no meio do mato (não posso, crianças precisam de escola e eu não sou herdeiro, haha).
O legado sempre estará aqui. Se ele terá valor perto das grandes empresas do entretenimento, só o futuro dirá. Se depender do presente, foi só coisa de momento mesmo. Sumir das redes sociais significou sumir do mapa. É estranho “deixar de existir”, mas se a única existência é essa coisa efêmera e boba, não é pra mim.
Beijo grande!
Meu amigo (sim, amigo! Pois passei mais horas te escutando que a maioria das pessoa que conheço e convivo)
Te conheci nas participações em outros podcasts e sempre gostei da sua percepção sobre o mundo e os assuntos… Quanto veio o Podcast com o Rob Gordon ganhei aind apor cima o amigo de um amigo pra admirar…
Gostaria de simplesmente escrever palavras de condescendência e compreensão como os demais acima, mas a verdade é que como um otimista inveterado estou devastado, triste, atordoado coma verdade…
Não estou menos orgulhoso de nem acho (como a disso importasse em algo) de forma alguma como espectador que posso criticar seus atos…
Mas a verdade é que não me sinto espectador e por isso dói e na dor a reação primária foi um sonoro “não pode ser! De novo não… Ele não…”
Então, em meio a verdade das coisas e a pureza com que abriu o seu coração pra nós aqui deixo minha reação mais sincera de incredulidade do óbvio registrada aqui…
Te agradeço por tudo neste tempo, no passado e no futuro que mesmo como um “fantasma da Forca” sei que suas palavras e ensinamentos seguirão me guiando!
PS: não sei quais seus projetos e vontades profissionais para o futuro, mas se quiser é sentir bem me manda uma mensagem que gostaria muito de colaborar de forma substancial…
Oi, Cassio. Obrigado pela mensagem.
Quando sentimos falta de algo, quer dizer que foi bom, então isso já basta 😀
Antes da morte, nada está definido. Seja por ciclos ou por novas vontades, existe uma renovação, uma atualização, uma redescoberta. Talvez seja disso que eu precise, de encontrar outras coisas que me fazem sentir bem e, quem sabe, tenham mais sucesso comercial do que minhas tentativas até aqui.
em termos de projetos profissionais, ainda não sei. talvez volte a escrever aqui no meu cantinho, tenho dado algumas aulas de roteiro em Brasília e quero voltar com os cursos, mas preciso aprender a fazer sites antes disso. apaguei o BD do EscrevaSuaHistória.net sem querer e agora ter que refazer tudo tá dando um desânimo danado. haha
Uma vez mais, obrigado!
Grande mestre, agradeço por tudo que esse projeto me ajudou em várias áreas que eu precisava. Você é demais!! Desejo tudo de melhor pra você e sua familia sempre.
Mais uma vez, Obrigado!
Obrigado, Anderson!
Com o tempo, tudo se acerta.