Edward Zwick revigora gênero dos filmes sobre Holocausto com coragem e grande elenco.
Se contada diversas vezes, e com convicção, uma mentira pode se tornar uma verdade. Se contada do mesmo jeito, ao longo de mais de 60 anos, uma história pode se distanciar de seu momento de inscrição e perpetuar apenas uma versão dos fatos. Seguido pela invasão da Normandia no Dia D, o Holocausto é o segundo assunto mais retratado em filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, porém, diferente da pluralidade de aspectos abordados nos longas e séries militarizados, o extermínio dos judeus via suas pessoas modificadas, mas sempre sob o mesmo ponto de vista: do sofrimento e morte. Edward Zwick desafia esse estereótipo com Um Ato de Liberdade(Defiance), que revigora os filmes do gênero com a ajuda de Daniel Craig e Jamie Bell.
Assim como todo grande filme sobre o Holocausto, Um Ato de Liberdade segue os passos de uma história real. Os Irmãos Bielski foram judeus sobreviventes do avanço nazista no leste europeu e organizaram um dos maiores focos de resistência na Bielorussia onde, assim como em diversas localidades, os judeus resistiram à ocupação alemã. Pela primeira vez, em muitos anos, sai a mesmice do sofrimento passivo e entra a luta armada. “Tenho um mapa com os focos de resistência e eram numerosos na região”, comenta Edward Zwick, em entrevista ao SOS Hollywood.
“Não pretendo iniciar nenhuma tendência, mas está mais do que na hora de deixar de falar só do sofrimento e honrar também aqueles que lutaram”. O longa-metragem é inspirado no livro Defiance: the Bielski Brothers, de Nechama Tec.
Tuvia (Daniel Craig), Zus (Liev Schreiber) e Asael Bielski (Jamie Bell) são os irmãos do título do romance. Personagens históricos, cujas famílias colaboraram para a produção do filme, eles criaram um dos maiores exemplos de luta pela sobrevivência. Muito mais que contra-atacar os ocupantes, seus atos salvaram a vida de mais de mil pessoas perseguidas pelo regime nazista. Reunidos numa mini cidade itinerante nas florestas, o grupo se esforça para manter a Humanidade e sanidade em meio às privações de um inverno rigoroso e, claro, os ataques das forças alemãs.
A narrativa é intensa. As diferenças entre os irmãos espelham os problemas que os sobreviventes enfrentarão: luta por poder, insatisfação, medo e tristeza. Tudo misturado com a tensão constante provocada pela existência de um inimigo violento e pro-ativo, plenamente capaz de eliminar o grupo com um golpe bem dado. Zwick não se preocupa necessariamente com a dor daqueles judeus, é sua resistência, seu desafio às probabilidades que guiam o caminho de Defiance. “Se manter humano em meio a tanta privação, tragédia e medo é tarefa tão grande quanto sobreviver aos principais extermínios étnicos do período”, afirma o diretor, experiente produtor de televisão e responsável por filmes como Lendas da Paixão e o irreparável O Último Samurai.
Defiance é um exercício de releitura. Tanto equipe quanto espectador precisaram deixar de lado pré-conceitos sobre o tema. Nada do nazista malvado e cruel, tampouco da família que sofre constantemente até o destino final em Auschwitz. Estamos diante de um teste de força. Para isso, nada melhor que Daniel Craig e seu jeito bronco para liderar o bando. Situações extremas requerem pessoas extremas no comando. Conhecido por ter unido o grupo de atores e técnicos durante o forte inverno que enfrentaram durante as filmagens, Craig estendeu a responsabilidade a atores como o jovem Jamie Bell. “Ele sempre se preocupou com a saúde de todo mundo, queria saber se estávamos encarando bem o frio e, numa cena durante o inverno, viu que eu estava muito gelado, notou a cor dos meus lábios – que estavam naturalmente roxos – e interrompeu as filmagens; me salvou de hipotermia”.
“Tudo que aprendi sobre a vida dos Bieslki, com suas famílias e investigando essa história, me faz valorizar a vida humana e entender por que nunca posso deixar de acreditar em nossa força de vontade”, comentou Daniel Craig a este repórter enquanto também assumia sentir falta de sua privacidade. “Assim como aqueles sobreviventes, às vezes, só quero ter uma vida normal e poder entrar num cinema a hora que bem entender para curtir um bom filme”. Craig teve aulas de russo para garantir autenticidade a seu personagem.
Defiance é um filme corajoso. Correu riscos de provocar a comunidade judaica com seu discurso “agora vamos falar de quem lutou”, risco que Zwick estava mais que disposto a encarar; agradou com trilha sonora indicada ao Oscar; e mostra que, por mais que os filmes de guerra pareçam repetitivos, ainda existem histórias – heróicas e relevantes – a serem contadas. Essa é apenas uma delas.
Como filme de gênero, tem seus elementos em comum, afinal de contas, todos se passam dentro de uma mesma realidade e momento histórico, e Defiance não foge à regra. Seu diferencial está em uma realização competente, fotografia que valorizou a beleza da floresta sem comprometer as minúcias inerentes a cada personagem e ação intensa em momentos estratégicos para evitar a composição inteiramente dramática. Sem dúvida, um ótimo jeito de conhecer mais um aspecto da Segunda Guerra Mundial, que parece nunca cessar como fonte de grandes histórias.
Fábio M. Barreto