Super-exposição provoca estresse inevitável em Hollywood, que vê suas jovens estrelas reagindo violentamente ao rolo compressor do marketing e da imprensa. Cada vez mais, o cinema perde o foco e a superficialidade impera.
Por Fábio M. Barreto
De Los Angeles
Dulce Damasceno de Brito viveu tempos belíssimos em Hollywood. Nossa maior correspondente se tornou amiga dos astros, conviveu com atrizes e mostrou mundo maravilhoso, deixando a cena [faleceu em 9 de novembro de 2008] como presságio de vacas magras se aproximando do mundo do cinema. Enquanto os filmes faturam bilhões, seus protagonistas mergulham num mar de desinteresse, tédio e estresse por conta de super-exposição de mídia. No mundo em que ser celebridade é objetivo de vida de muitos jovens, quem alcança o estrelato se vê preso a obrigações e contratos, mas a paciência está prestes a passar dos limites. A Hollywood de Dulce não mais existe.
Os sinais são claros. Shia LaBeouf se levanta de uma mesa-redonda; Seth Rogen peita um jornalista descontente com seu estilo de humor; gente como Eddie Murphy e Adam Sandler se recusa a falar com repórteres impressos [jornais e revistas]; beldades como Megan Fox escolhem as perguntas que desejam responder. O diagnóstico, mais óbvio ainda: esgotamento. A justificativa de Shia explica bem um dos aspectos da situação, “as perguntas não estão interessantes, prefiro me retirar”. Ele explicou à reportagem da Sci-Fi News/SOS Hollywood que “posso escolher falar, ou não, basta perguntar as coisas certas. Para saber generalidades, basta ler o material de imprensa; e minha vida pessoal interessa a mim e a minha família”. Um número gigantesco de jornalistas pouco criativos invade Los Angeles quinzenalmente para cobrir esse tipo de evento, enquanto profissionais baseados na cidade pouco fazem para se reciclar e inovar na arte da entrevista. Porém, essa resposta também abre o outro flanco do problema: a super-exposição dos atores.
Como ser criativo e inovador depois de entrevistar um sujeito por cinco vezes, em menos de três meses? O ciclo está formado. Jornalistas incapazes de furar a obviedade dos assuntos e estúdios decididos a conquistar divulgação gratuita a todo custo. O conflito é inevitável. Durante entrevistas para o filme Funny People, de Judd Apatow, o comediante Seth Rogen demonstrou claros sinais de irritação e cansaço [assuto do SOS Cast 7]. Presente de corpo, mas não de espírito, viu seu estilo ser questionado e criticado, encontrou um profissional igualmente desinteressado do outro lado da mesa -redonda, e o embate ganhou tons pessoais. “Sua comédia é baseada em piadas de baixo calão”, disse um. “O que você acha engraçado, então?”, devolveu o outro. “O entrevistado é você, não eu”. E a confusão se armou. É o sexto filme que Rogen divulgava em menos de cinco meses; intermináveis perguntas sobre sua perda de peso, Besouro Verde e ser engraçado marcaram esse período. A irritação é clara.
Gerard Butler teve peito para abrir o jogo: “contratos nos obrigam a fazer toda essa divulgação; e a necessidade de trabalhar nos impede de criticar ou, em alguns casos, dizer a verdade sobre um determinado assunto, pessoa ou estúdio”. É a dura realidade de mercado. “Se criticar alguém, pode apostar que não consigo mais trabalho por um tempo”. Cada ator precisa fazer, em média, 90 entrevistas por filme [levando-se em conta veículos internacionais e norte-americanos – impressos e TV – rádios, telefonemas, coletivas de imprensa, matérias especiais e participação em talk shows]. E tudo isso acontece em períodos concentrados, ocupando praticamente uma semana inteira.
Grandes astros discordam desse modelo e falam pouco. Escolhem muito bem os veículos e, na maioria dos casos, falam apenas com TV – cerca de 5 minutos de conversa e número reduzido de entrevistas. O principal objetivo é garantir que suas declarações não sejam distorcidas e, claro, controlar pessoalmente seu nível de exposição. Os casos mais célebres são Eddie Murphy e Adam Sandler. Sandler prova por A mais B que sucesso nas bilheterias não tem nada a ver com exposição de mídia. Fala pouco há anos e seus filmes faturam milhões. Como disse na entrega do último People’s Choice Awards, “se escutasse so críticos, teria parado de fazer filme há uns 10 anos. Faço tudo isso para meu público e eles gostam”.
Porém, são exceções. Um mundaréu de jovens atores e atrizes é exposto ao rolo compressor da imprensa. Muitos deles sem condição pessoal e currículo profissional suficiente para sustentar uma conversa produtiva. Sabem que não tem o que dizer, apostam em sorrisos exuberantes, mas não escapam dos momentos de silêncio incômodos. Se de um lado todos querem saber do tipo de xampu de Megan Fox ou Cameron Diaz, quase ninguém se importa com as motivações da beldade assassinada no último filme de Jason Vorhees.
É uma equação cheia de variáveis esgotadas e à beira da falência. Perdeu-se a proximidade com o astro. Ser celebridade se tornou objetivo de vida no mundo moderno, mas ser celebridade não envolve merecimento, capacidade intelectual ou alguma grande realização. Aparecer na tela, ou no reality show mais recente, basta. A pesquisa é feita na internet, na Wikipedia. Muita gente usa entrevistas apenas para “checar boatos” ou tentar provocar uma frase polêmica para ocupar um pequeno espaço na grande revista semanal. Os atores, por sua vez, sabem do jogo e se protegem com respostas ensaiadas e vazias. Afinal, como disse o ex-jogador Sócrates, “respondemos a mesma coisa, pois vocês sempre fazem as mesmas perguntas”. É uma guerra sem vencedores, mas com um grande perdedor: o cinéfilo; cada vez mais carente do verdadeiro entendimento da arte de se fazer filmes.
Os estúdios empurram sua máquina de marketing para cima da imprensa, que, por sua vez, procura pelo “furo do momento”; atores se defendem e tentam manter a privacidade; entender as razões cinematográficas por trás de todo esse circo se torna, cada vez mais, uma idéia romântica e arcaica. Coisa de um mundo há muito esquecido. De um mundo onde Dulce Damasceno relatava sua bela vida e seus amigos ilustres, sabia as perguntas certas e expunha as maravilhas do cinema. Salvo raras exceções, hoje se vive a ditadura do superficial, com o marketing superando o jornalismo; e o cinema… bem, parece não passar de mero canal para tudo isso.
*Artigo publicado originalmente na Sci-Fi News.
Participe da discussão! O que você acha sobre esse sistema? Concorda com o foco na cobertura de fofocas? Quem é seu astro favorito na hora das entrevistas? =D
Texto excelente. Eu sou uma pessoa que simplismente se irrita com qualquer tipo de fofocas de “estrelas” do cinema, quero saber do trabalho delas, e valoriza-las por isso.
Você comentou que alguns dos grandes astros preferem dar entrevistas somente as redes de televisão, esse é caso dos artistas que aparecem naquele pequeno programa da TNT, “Holywwod One on One?”
Abraço!
Oi Marcelo,
As entrevistas desse programa da TNT são as “genéricas”. Alguém contratado pelo estúdio gravou para serem as entrevistas “oficiais” a serem distribuídas mundo a fora. Logo, é sempre positivo e do jeito que o ator quer. Até onde eu sei, a TNT não investe nada em produçào indepentende em termos de entrevistas nesse programa.
Abs,
Fábio
Legal saber disso.
Muito obrigado!
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Fantastico!
Você muito bem sobre uma parte que faz da nossa profissão de comunicadores perder um pouco de motivação pelo que faz.
Sou Radialista e trabalho na TV, e acho incrivel como programas exelentes saem do ar depois de 3 semanas com audiência baixa, pois o programa era novo.
Acredito que na comunicação o problema é esse, ah muito tempo se sabe o que da certo, então não se arrisca em nada novo.
A pressõa que existe em nós comunicadores faz com que a maioria de nós perca a genialidade de criar, de ser criativo a qualquer momento.
Esta de Parabéns Barretão!
Excelente análise! Essa saturação que incomoda os atores tb me atinge como fã. Mtas vzes, interessada em notícias sobre determinado filme que será lançado leio e assisto entrevistas e, invarialmente, as entrevistas rondam em cima das mesmas questões. Torna-se chato e repetitivo. Curto as entrevistas que vc faz, sempre, de uma maneira ou de outra, fogem do lugar comum.
Texto excelente. Parabéns
Excelente matéria, XARÁ!
Gosto muito de entrevistas com artistas que admiro, mas discordo que elas tenham que ser previamente apresentadas, assim como acho que perguntas engraçadinhas ou sobre a vida íntima não necessitem ser respondidas.
Um claro exemplo disso foi aquele comentário desnecessário e engraçadinho durante a coletiva com o HARRISON FORD, sabes do que e de QUEM estou falando, né? 🙂
Todavia, essa é uma questão complicada, pois quase sempre o ator é forçado a uma exposição pública devido a contratos com os grandes estúdios, sob pena de ficar na “geladeira” em caso de recusa.
Entre os artistas mais simpáticos com o público, destaco o ROGER MOORE e o HUGH JACKMAN e o GERARD BUTLER, sempre sorridentes e falantes, além de nunca ter escutado sobre confusões com estes. Uma curiosidade é que nos extras dos filmes de BOND, MOORE foi o único ator a encarnar o famoso espião que aceitou gravar comentários durante os filmes.
Quanto penso nos atores mais reservados, lembro do TIMOTHY DALTON (interpretou 007 em 02 filmes), que mesmo talentoso e carismático, teve problemas com o excessivo assédio da imprensa ao assumir o papel do protagonista, por ser tímido e reservado. Aliás, o caso da timidez de DALTON é patente nos extras de THE LIVING DAYLIGHTS, posto que o mesmo fica visivelmente constrangido nas coletivas para divulgar o filme.
Saudações,
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Ótimo texto Barreto, acho complicado essa ansia das pessoas pela vida secreta dos astros, ou de quem eles sejam fãs. Acho uma banalização exagerada do tipo de informação que não contribuir em nada para a sociedade. Você pode me corrigir, até por que eu não sei os valores certos, mas o mercado no jornalismo que mais cresce e movimenta dinheiro hoje em dia é esse de fofocas não? Deixem os astros em paz, se o Brad Pitt pode adotar 6 crianças da Ásia legal, mas isso não o torna um super homem, ele é um homem como os outros e sua vida é igual a de todos os outros humanos (tá eu exagerei, mas ele como humano tenderá a fazer várias coisas durante o dia que são comuns a todos). Acho algo maléfico tanto para o astro, como para o espectador que perde um tempo precioso de sua vida lendo sobre banalidades. Ator e atriz boa para mim é quem vai lá e arrebenta na atuação.
Barretón… pensando sobre a sua reportagem, percebi que dá para aplicá-la em várias areas, não apenas no cinema.
Mas vi um trecho que mostra a sintese do seu texto:
“salvo raras exceções, hoje se vive a ditadura do superficial, com o marketing superando o jornalismo; e o cinema… bem, parece não passar de mero canal para tudo isso.”
Acredito no que o Wagner Brito escreveu acima e interligo com a atual crise de criatividade, que na minha teoria é resultado da massificação do processo educacional que é especialista em destruir a criatividade do ser humano. Uma pena. Estamos realmente robotizando total =/
A superficialidade é apenas um sintoma mais aparente, a coisa tende a piorar. Não curto ser pessimista, mas… aguarde.
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Análise muito feliz da situação, assim como a comparação com as entrevistas com jogadores de futebol. Eu acho e sempre achei um porre as mesmas perguntas sendo feitas, o entrevistado acaba ficando de saco cheio mesmo. A solução são as coletivas, queira ou não. Aquela coisa do contato próximo, da amizade, do glamour dos tempos da Dulce, não rola mais. Impossível quando existem buzilhões de veículos, a mídia se tornou mesmo um rolo compressor, e em tempo real. Como recém formado em Jornalismo, eu gostaria de dizer que farei diferente quando exercer a profissão, mas sabemos que os veículos muitas vezes não estão nem aí pra “inovações”. Querem é faturar com o conhecido e seguro feijão com arroz.
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Salve Salve, Barretão!!
Você resumiu, em uma frase (citada) a situação que marca muito bem o que a mídia mundial, em todas as suas faces, desde um Twitter até um jornal de edições diárias, das revistas em quadrinhos às telas de cinema, das revistas de crochê às novelas globais…
“Respondemos a mesma coisa, pois vocês sempre fazem as mesmas perguntas.” (Sócrates, jogador)
Não é apenas o cinema que padece deste vírus! Toda forma de produção cultural mundial que é produzida em larga escala padece disto.
O que nos salva? O artesanal (se podemos assim chamá-lo).
Na música, inovações fantásticas em sites de música para livre uso e distribuição (desde que sem fins lucrativos).
Nas revistas, temos uma pequena quantidade de edições com conteúdo realmente autoral e pontos de vistas novos.
Na TV, apesar de cada vez mais raro, ainda salvam-se alguns programas. Normalmente os melhores são os culturais, já que entreter a massa é cada dia mais banal (na verdade é assim desde Roma!).
Falei demais… vou parando aqui…
Ao autor: Teu trabalho é ÚNICO Barreto!! Esta é tua marca e ninguém no mundo pode tirá-la. E ela não vem da “notícia” que é retratada, mas de COMO é retratada. Eu nunca tive paciência com os textos padrões que se diziam falar sobre cinema. Graças ao SOSHW retomei o gosto por saber como anda o polo financeiro da Sétima Arte. Valeu!
Fortíssimo abraço!
Paz e sorte! Sempre!!
Jà escutei sobre o assunto no SOScast. Acho muito interessante esse tipo de abordagem que vc dá aos seus textos pois gera um diferencial do que a gente lê e ouve por ai.
Curto sua participação no Rapaduracast agora, sempre ponderado, em contraposição ao radicalismo cada vez mais acentuado e emocional do Mauricio.
Continue seu trabalho dessa maneira diferente e inteligente que tem feito, parabéns!
Ótimo texto, Barreto. Fiquei pasmo em saber que os atores chegam a dar 90 entrevistas a respeito de um único filme. Nenhum ser humano aguenta um negócio desses.
Os jornalistas também não ajudam. A maioria mantém aquele padrão de perguntas “tanto-faz”. Juntando todos esses fatores, o desgaste dos atores é inevitável.
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