Da última vez que fiquei empolgado por um filme de Ridley Scott, a experiência foi problemática, pois embora Prometheus me agrade, o produto final é tão monstruoso quanto as criaturas que o habitam por conta de cortes e escolhas duvidosas. Cheguei a temer por Perdido em Marte (The Martian), porém, o acaso acabou por criar outra relação com o filme. Sabia da existência do livro, que ainda não li, e vi o trailer sem querer. O nome de Ridley Scott não aparecia. Havia apenas uma demanda: resgatar o astronauta deixado para trás em Marte. E o trailer me encantou. Fiquei empolgado e foi aí que descobri ser dirigido por Scott. Veio a preocupação, mas, por sempre confiar nele, e pela ausência de Lindelof, mantive a expectativa.

O primeiro bom sinal a respeito do filme chegou quando dei de cara com uma senhora fila numa sessão das 13h30, sexta-feira quente e abafada por aqui. O cinema já esta quase todo lotado quando entrei. O circo estava armado e o hype prontinho com o anúncio da descoberta de água em Marte. Mas o resultado foi muito além do esperado.

Em parte pelo texto de Andy Weir (pelos comentários de amigos, resenhas e podcasts que ouvi sobre ele), em parte por sacadas geniais da escolha de elenco e do reforço visual de Ridley Scott, Perdido em Marte não entregou apenas um drama espacial e foi além, muito além. Em pouco tempo de exibição, é inevitável se ver envolvido pelo drama de Mark Watney (Matt Damon, que já foi resgatado em Coragem Sob Fogo, O Resgate do Soldado Ryan, Interestelar, na série Bourne e, forçando um pouco a barra, em Gênio Indomável), enquanto a história vai construindo, com passos sólidos, uma das maiores homenagens já feitas à ciência – e uma mega propaganda para a NASA, claro. O bombardeio científico é constante e relevante à história, sem perder ritmo ou correr o risco de ficar monótono, pois Watney está constantemente em ação. Quando o personagem para, a comédia entra em cena graças à união do texto com aquela cara de besta que o Matt Damon sabe fazer muito bem. E isso vale ouro, pois a maioria dos filmes sobre isolamento acaba incorrendo em momentos tediosos. Claro, esse mérito também vem do fato de que ao interagir com câmeras e outros elementos tecnológicos presentes na base marciana, Watney pode se expressar. É um raro caso de tudo se encaixando.

Além disso, há três núcleos em andamento e o senso de humor – e emergência – está presente em todos eles. Afinal de contas, se você soltar Michael Peña em qualquer lugar (exceto em Battle LA, no qual ele foi desperdiçado), boas piadas vão acontecer, vide Homem-Formiga. Ele é o palhaço da equipe que está no espaço. Enquanto isso, o núcleo da Terra está repleto de nerds e geeks malucos. Repleto. Isso é fundamental para manter as explicações científicas sempre acompanhadas do elemento humano e explicadas de forma acessível a qualquer um. Destaque para uma cena hilariante que, guardando o spoiler, envolve os seguintes elementos: Sean Bean, um famoso livro de fantasia e um número excessivo de nerds numa mesma sala.

O elenco é fantástico: Jeff Daniels, Sean Bean, Jessica Chastain e Benedict Wong e Chiwetel Ejiofor são os destaques entre os coadjuvantes. Sim, coadjuvantes. O filme é estrelado por Matt Damon, pelo jipinho e por Marte. :p

Do ponto de vista dramático, Perdido em Marte é um achado. Partindo do pressuposto: há um problema, pense e solucione esse problema antes de encarar o problema seguinte, Mark Wattney mantém as esperanças de vida perante o isolamento e a catástrofe iminente. Por ser um filme unificador – todo mundo quer que ele sobreviva –, boa parte da tensão surge nos momentos de dificuldade extrema, especialmente quando política e interesses pessoas entram em cena. Sem forçar muito a mão, o roteiro envolve a agência espacial chinesa (que rumores indicam ter investido no filme), a importância da opinião pública envolvida em qualquer missão espacial (um ponto de crítica muito grande à NASA, que é constantemente acusada – no mundo real – de “não arriscar mais por querer preservar a vida de um punhado de astronautas”) e das limitações tecnológicas existentes mesmo no cenário utópico da trama. Utópico sim, pois ainda estamos bem distantes da tecnologia apresentada e tudo que é visto na tela é baseado em planos da NASA, do veículo planetário até a magnífica nave Hermes. Alias, a assinatura visual de Ridley Scott, que sabe criar naves bacanas.

Há algo fabuloso na tenacidade de Mark Watney. Ele mistura o desejo de sobrevivência com a excelência humana. Só assim o sujeito é capaz de resistir a um cenário provavelmente catastrófico para qualquer pessoa “normal”. O cientista se transforma em super-herói contra todas as probabilidades, carregando a mensagem de que a inteligência é a melhor solução para tudo. Quando um blockbuster tão relevante quanto esse sequer pensa nesse tipo de coisa? Menosprezar o público é sempre mais fácil e garantido, não é Transformers, que teria inúmeras justificativas para aplicar ciência, mas assume a fantasia sem medo de ser feliz.

Perdido em Marte é uma mistura rara e única, que, acima de tudo, serve como um lembrete de Ridley Scott a seus detratores: ele não é um dos maiores diretores do cinema contemporâneo à toa. Ele soube controlar bem os três núcleos, mantendo a sensação de realidade, alto risco e, dentro do possível, descontração ao longo do filme. Ele também acertou em cheio ao passar menos tempo tentando mostrar como é a “vida no espaço” e na gravidade diferente e simplesmente jogou os personagens lá, como se dissesse, “olha, pessoal, vocês já viram isso trocentas vezes, não? Beleza, em Marte é assim, aceite.” Com isso, pulamos cenas introdutórias e a história começa logo de cara, sem muita enrolação.

Pensar em Mark Watney nos faz pensar nos riscos que a Humanidade sempre correu e em tantos que ainda precisaremos enfrentar. E, embora o preço seja sempre alto demais, se lembrarmos que as maiores invenções do último século surgiram durante as guerras, não precisamos de muito para aceitar a realidade de que o ser humano é capaz de coisas fabulosas quando o risco de extermínio bate à porta. Dessa vez, porém, o filme não incentiva ninguém a pegar em armas – alias, não há nenhuma arma no filme –, mas sim a acreditar na ciência, na lógica e no treinamento intelectual oferecido por universidades, cursos, palestras, livros e etc. E, de modo fantástico, ninguém precisa de nada disso para se identificar com ele. Transfira a situação para o seu campo de trabalho e faça a comparação. Como você poderia sair de uma roubada desse tipo? Claro, nem todo mundo poderia ir para Marte, mas a parada é imaginar no uso extremo daquilo que você sabe para salvar a própria vida. No fim das contas, todo mundo sonha com aquele dia grandioso no qual salvou uma vida contra todas as probabilidades.

Perdido em Marte nos dá isso. Ele transforma todo mundo em Mark Watney. Ele nos mostra que temos um potencial gigantesco, contanto que optemos pelo caminho da ação. Para sorte de Watney, não tinha Facebook em Marte. Se tivesse, ele já era.

Brincadeiras à parte, esse longa-metragem é inesquecível. Assista e receba sua dose de otimismo, humanidade e esperança. Ridley Scott, novamente, fez história. E agora vou ler o livro, pois me apaixonei pelo conceito.

Fábio M. Barreto

Fábio M. Barreto novelista de ficção, roteirista e diretor de cinema e TV. Atuou como criador de conteúdo multimídia, mentor literário e é escritor premiado e com vários bestsellers na Amazon. Criador do podcast "Gente Que Escreve" e da plataforma EscrevaSuaHistoria.net.
Atualmente, vive em Brasília com a família.

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5 Comments

  1. Excelente texto Barreto!

    Esse filme serve para abrir nossos olhos para a importância de aprender. Quando estivermos sozinhos, somente nosso conhecimento pode nos ajudar. Nada mais.
    Minha área de atuação está longe de ser um astronauta. Sou professor de história, mas assim como eu qualquer pessoa pode se identificar com essa história. Se trata de resolver problemas, apenas com o que se tem no cérebro e nas mãos. Devemos aproveitar a oportunidade de aprender tudo que for possível, tudo pode ser útil.

  2. Olá Barreto! Por favor leia o livro, você verá que existem situações mais incríveis, e até certo ponto, críveis que poderiam complementar mais ainda o filme (com extras 3 horas de duração?).

  3. Quando eu li o livro, pensava em como seria fácil adaptar para o cinema.
    É um livro-pipoca e eu adorei cada página.

    1. vou começar a ler essa semana 🙂

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