O primeiro trimestre de 2023 foi trágico. Desempregado, sem nenhum freela ou perspectiva, nada parecia funcionar. O telefonema de um amigo começou a mudar um pouco os ventos. “Barreto, fica de olho que vai abrir oportunidade para escritores no Rio2C”. Bem, fiquei de olho. Quando o anúncio saiu no PublishNews, corri para ver se conseguiria bolar os projetos em relativo pouco tempo. Como não tinha nada melhor para fazer, e precisava, desesperadamente, de algo para ocupar a mente, caí de cabeça. Inscrevi 4 projetos. Então veio o anúncio: “Filhos do Fim do Mundo” estava entre os selecionados para o Pitching Editorial. Fiquei fora nas outras categorias. Eu tinha um objetivo! Só quem já passou por isso sabe que, mesmo na ausência de recursos, às vezes, tudo que precisamos é de uma tarefa maluca para tirar a cabeça dos problemas.
Neste primeiro texto, contarei como foi a participação no evento e mostrarei os materiais que levei. No segundo texto, explicarei os passos mais importantes (que eu me lembre, afinal, a velhice impera) para autores interessarem em encarar a bucha para 2024.
Sim, vai ficar grande. É um documento de referência.
Glossário
Primeiro, as explicações. Especialmente para quem não é do meio de criação de conteúdo. O que é Rio2C? PublishNews? Pitching Editorial? Clique nos tópicos abaixo e entenda cada um deles.
Rio2C
Pitching Sessions
PublishNews
Produtora Audiovisual
Filhos do Fim do Mundo
Parte I: O Relato
O anúncio da seleção de “Filhos do Fim do Mundo” chegou com muita surpresa e alegria. Primeiro pela situação descrita no início (a coisa estava feia), segundo pela opção por um livro em negociação para republicação. Sabe quando você inscreve o material só para dizer a si mesmo “bom, pelo menos eu tentei?”. Pois é, deu certo.
Daí começou a corrida para preparar o pitch, a venda, o chaveco, a lábia, a apresentação, o vídeo, as artes, a passagem aérea, o hotel, o trevo de quatro folhas e tudo mais. A organização informou que cada selecionado teria apenas 6 minutos para fazer a apresentação. Seis minutos é pouco demais para explicar um livro, agora imagina vender um projeto inteiro. Teria ficado um pouco mais assustado se não tivesse experiência com o que chamamos de “elevator pitch”, a venda de 1 minuto e pouco que, idealmente, acontece entre um andar e outro no elevador. Em Hollywood, esse é o tempo que muita gente consegue com um produtor e a proposta tem que estar redondinha ou a oportunidade se perde.
Existe um lado meu pouco conhecido nas redes e no meio literário: o profissional de comunicação. Trabalho com contas de grande porte há muito tempo, então fazer apresentação de resultados ou venda de projetos é comigo mesmo. Porém, nenhuma delas jamais foi tão compacta. Precisava de algo diferente, algo novo dentro dos meus padrões.
Resolvi apostar numa proposta multimídia. Sacrifiquei 1 minuto dos míseros 6 para mostrar um vídeo lindão feito pelo Evandro Lima e sonorizado pelo Christian Melo. Você pode assistir abaixo:
E, em vez de construir um Powerpoint, como todo o resto dos concorrentes faria, montei uma apresentação no Prezi. Conto os detalhes na parte do Guia. Resumo da ópera, eu tinha um material de apelo visual e dinâmico que, com certeza, estaria a anos-luz à frente do resto do povo. É, eu não sei brincar. Pra fechar, construí um folder (no Canva, afinal, ninguém é de ferro) com todas as justificativas e possibilidades comerciais do filme, mandei imprimir alguns exemplares e coloquei na mala. Esse material foi ilustrado com uma arte conceitual inédita e lindona feita pelo Flávio Soares.
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Esse foi o investimento do pouco de dinheiro que ainda tínhamos. O resto foi embora numa passagem pro Rio e uma diária de hotel. Não teria como acompanhar todo o evento. Investi tudo em um dia.
Esse processo levou umas 3 semanas.
Foi uma decisão familiar. Tínhamos que apostar. O dinheiro acabou.
Aí eu dei uma sorte imensa. Recebi um convite para entrar na FSB Holding duas semanas antes do evento. Uma galáxia inteira saiu das minhas costas, pois eu voltaria de lá com um emprego e condições de começar a reparar um trimestre inteiro sem receber nada.
A Viagem
Pousar no Santos Dumont é sempre um espetáculo e o dia estava lindo. Peguei um flat na Barra da Tijuca, bem próximo ao evento (economizar com o Uber faria uma diferença no orçamento) e cheguei no fim da tarde. O pôr-do-sol foi magnífico. Como era no meio da semana, foi difícil encontrar algum amigo carioca livre para um jantar, então passei a noite fazendo os últimos ajustes na apresentação.
![](https://www.fabiombarreto.com/wp-content/uploads/2023/09/WhatsApp-Image-2023-09-03-at-01.14.05-1024x576.jpeg)
Saí cedinho para aproveitar meu único dia ao máximo. Chegar na Cidade das Artes em dia de evento é uma aventura e até o Uber achar o ponto de desembarque, você acaba conhecendo todo o entorno do espaço colossal.
Uma fila rápida e a credencial estava em mais. E olha, que pedaço de papel caro. Numa de suas piores decisões, a organização do evento NÃO ofereceu credencial gratuita aos selecionados. Afinal, isso em si já era proibitivo. E acabou afetando algumas pessoas. Uma autora de São Paulo, por exemplo, considerou o custo todo muito auto e preferiu mandar a agente, moradora do Rio de Janeiro, em seu lugar. O resultado foi catastrófico e ela desperdiçou a oportunidade. Em suma, ganhamos a chance de pagar uma entrada pra eles. Pelo escopo do evento, eles não precisavam. E olha que ainda fui meio rebelde e comprei o Day Pass (que daria acesso a apenas um dia), em vez da credencial Creator (3x mais cara). Ninguém checou.
O Evento
O Rio2C é megalomaníaco em oferta de conteúdo. É muita gente que conhece muita gente tentando conhecer muita gente a dar emprego/trabalho para essa gente toda. Filas intermináveis. Comida cara, mas até que boa. Programação intensa em todos os espaços. Uma loucura logística para o participante. Lembrou muito a San Diego Comic Con, mas num ambiente menor.
A primeira missão foi localizar o espaço da sessão de pitch. Depois de perguntar aqui, apontar ali e seguir algumas placas, achei. Uma palestra sobre diversidade estava em andamento. Acompanhei o tempo restante, estudando o espaço. Era pequeno. Comportaria 40 pessoas, no máximo. A acústica era ok. A temperatura seria um problema. Não havia ar-condicionado nem outro tipo de ventilação. Manter a atenção do pessoal era chave.
Como algumas horas me esperavam da minha apresentação, fui rodar e, por sorte, encontrei amigos. Primeiro a Vana Medeiros, veterana da primeira geração de podcasters do Brasil e, hoje, roteirista. Depois dei de cara com Andrei Fernandes e Fernando Ticon, do Paratopia. Enquanto papeávamos, o Daniel Rezende, diretor de “Bingo – O Rei das Manhãs” e de “Turma da Mônica” apareceu e foi o primeiro a receber o kit de venda de “Filhos do Fim do Mundo”. Aliás, preciso escrever para ele. :p
Durante o almoço, encontrei mais algumas pessoas do meu passado jornalístico, fiz algumas amizades na longa fila e troquei figurinhas com meus amigos podcasters. Foi bacana.
Depois do almoço era a hora da verdade.
O Pitch
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Exceto por duas questões técnica, tudo correu bem. Estourei o tempo em uns 20 segundos, mas a empolgação da plateia fez a organização liberar a exibição do vídeo, que quase ficou fora. Aliás, o vídeo foi recebido muito bem. Até mesmo a organização ficou impressionada com o nível do material.
Terminamos com uma sessão de perguntas bem interessantes sobre o projeto e, felizmente, graças à a experiência e à preparação, estava pronto para todas elas. Só uma delas não foi tão efetiva, pois a pessoa estava procurando algo que, de fato, não existe em Filhos do Fim do Mundo: um vilão responsável por tudo. Há uma antagonista (na nova versão, a Influenciadora), mas vilão no sentido mais conhecido da palavra não existe.
Terminada a apresentação, aguardei os demais colegas venderem seus respectivos produtos e corri para a porta, esperando produtores interessados em falar comigo pessoalmente. Duas pessoas vieram conversar, outras duas quiseram o material impresso. E ficou por isso mesmo.
Missão cumprida.
Depois, do nada, encontrei um contato do meio editorial e recebi uma proposta de republicação de “Filhos do Fim do Mundo”, fruto da apresentação. A oferta era ótima, editora grande, posicionamento perfeito pra mim. Porém, menos de um mês depois, a editora mudou os rumos e os planos entraram pelo cano.
Foi uma frustração enorme, confesso. Isso me colocou numa rota de colisão com o desejo de abandonar tudo. É bizarro investir tanto tempo, talento (especialmente dos outros) e dinheiro e ver a luz no fim do túnel para, no final, ela se transformar no Titanic da sua vida.
Por outro lado, fazer a apresentação mostrou que o mercado presta atenção e esse é o maior legado do Pitching Editorial, abrir uma porta. Até então, um autor independente ou editora pequena tinha poucas perspectivas de ter contato com as grandes produtoras. Nunca botei fé nesses anúncios de “livro X será adaptado para o cinema”, aí você vai checar a e produtora nunca fez nada relevante. Ano vai, ano vem, e o projeto nunca passa desse anúncio. É uma sina do nosso mercado. E algo triste, pois cria um vício de ilusão e pouca produção.
Isso precisa mudar.
O Pitching Editorial é a solução? Não. Ele é uma alternativa.
O Resultado (até agora)
Além de tudo já mencionado, estar com um projeto pronto me permitiu tentar outros contatos depois do evento. Uma produtora que estava lá, mas não me procurou na hora, pediu o material depois e, por estar atolada com outros projetos acabou recusando, mas o contato inicial foi feito. Ao mesmo tempo, a maior produtora do País demonstrou interesse, tive uma reunião muito boa e tanto “Filhos do Fim do Mundo” quanto “Snowglobe” estão na fila de avaliação. É um jogo de paciência. Agora só posso esperar.
Participar de um evento deste tipo também te coloca no radar das produtoras para outros materiais. Por exemplo, se a produtora X tem um projeto de ficção científica e precisa de um roteirista, podem lembrar “daquele cara do Rio2C” e chamar para uma conversa.
Isso tem muito a ver com aquela perspectiva de o profissional de conteúdo não poder ficar escondido hoje em dia. É complicado para mim. Saí das redes e realmente cansei dessa exposição constante, mas tanto na literatura quanto no audiovisual, sair em busca desses contatos cara a cara faz a diferença. Por esse aspecto, o Pitching Editorial é bastante relevante. O independente sai o nicho de fãs e entra no radar do mundão lá fora. E, acreditem, isso é importante demais.