Sangue Negro mostra um viés cru e agressivo, sem dó nem piedade, do empreendedor norte-americano da virada do século passado.
Não se assuste com a incômoda e aguda trilha sonora que marca o início de Sangue Negro (There Will Be Blood). Esse elemento é apenas a ponta do “iceberg” de frieza e brutalidade moldado com maestria pelo diretor e roteirista Paul Thomas Anderson (Magnólia), que, seguramente, assina sua primeira obra-prima. Tudo isso, porém, só é possível com a intensa interpretação de Daniel Day-Lewis (Gangues de Nova York), no papel de um dos pioneiros na exploração de petróleo, Daniel Plainview. Concorreu a oito estatuetas no Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Roteiro Adaptado. Faturou Melhor Ator e Fotografia.
Nascido nas páginas do romance Oil!, de Upton Sinclair, Sangue Negro esmiúça o tipo de homem que foi responsável pela construção da América moderna. O que hoje são arranha-céus cheios de indústrias, na virada do século 19, eram vastos terrenos ocupados por fazendeiros, mineradores e, especialmente, homens sedentos por petróleo, destacadamente na prodigiosa Califórnia, onde o “ouro negro” brotava do chão.
Daniel Plainview é o centro das atenções desde o princípio, entretanto, muito mais importante de quem ele é, é o que ele faz. Forjada na dura realidade do confie apenas em si mesmo, nem que isso custe sua vida, a natureza de Plainview é a verdadeira epígrafe do conteúdo de Sangue Negro, pois, como a tradução direta do título em inglês diz: Haverá Sangue! Seja ele do próprio personagem, de seus empregados que trabalhavam sob condições extremas ou, mais provável, daqueles que ousarem ficar em seu caminho.
Em vez de outro velhaco à altura, porém, quem surge como adversário velado de Plainview é o jovem pastor Eli Sunday (Paul Dano, de Pequena Miss Sunshine, ele impressionou Day-Lewis, que o indicou para o papel). Assim como o empreendedor petroleiro, Sunday vê na exploração do petróleo a chance de fundar sua própria congregação religiosa e, no processo, ficar milionário. Os dois perfis são muito bem traçados e o filme respeita seu próprio ritmo, sem pressa ou recursos exagerados, deixando as vidas desses dois homens se envolverem até o extremo. E, como tudo levado ao limite, teoricamente, um dos dois precisaria vencer.
Todavia o vitorioso nessa história é o desejo pela fortuna, a boa e velha ganância. Plainview a toma como seu meio de vida, Sunday é seu escravo, embora a condene em todos os seus intensos sermões aos fiéis. Sangue Negro nos leva aos meandros desse mundo sujo e árduo com uma belíssima fotografia e a trilha sonora mais presente dos últimos anos em Hollywood. Ora irritante, ora angustiante – de acordo com as necessidades dramáticas de cada cena – a composição assinada por Johnny Greenwood, guitarrista da banda Radiohead, cumpre a difícil função de transmitir peso e importância ao cenário e às longas tomadas sem diálogos protagonizadas por Day-Lewis.
A poesia das telas nunca foi tão agressiva e natural como a jornada de Plainview e seu filho adotivo HW, que canaliza muitos de seus dilemas, mas é incapaz de superar a força motriz do pai e de seus negócios, que o transformaram num dos primeiros milionários da Califórnia. É interessante notar que Plainview é um sujeito fiel as suas crenças do começo ao fim, mesmo quando tem aparentes recaídas de humanidade, existe um fundo de necessidade naquilo que faz. Ficar rico justifica qualquer sacrifício, seja matar, seja se converter a uma religião em que não acredita, mas com a maior demonstração de fé e arrependimento que os fiéis já viram. Como o bispo de Cruzada diz, “Converta-se primeiro, arrependa-se depois”. A conversão pode parecer real, mas o arrependimento não existe. Tudo vale a pena.
A imprensa norte-americana tratou o Sangue Negro como a Obra-Prima de Paul Thomas Anderson, e o longa faz por merecer essa honraria. Prende a atenção do início ao fim, sem fórmulas prontas e situações óbvias. O final surpreende e faz pensar que não haveria outro jeito de encerrar um épico do homem comum, do “self made man”, que conquistou tudo até se dar por satisfeito. Lewis está magnífico – tanto que venceu o Oscar de Melhor Ator – e a direção permite uma viagem no tempo e para dentro da índole humana.
Fábio M. Barreto
Texto originalmente publicado na semana de estréia no Brasil, atualizado por conta das premiações no Oscar
O filme mostra um lado que é pouco falado sobre o que moveu a marcha para o Oeste dos EUA, que foi a ganância, a corrida primeiro pelo ouro californiano, e depois pelo ouro negro também na California. O filme realmente é uma obra prima, que perdeu o oscar para um filme menor, e que fazia um acerto de contas muito maior com a história e com a alma dos EUA do que Onde os Fracos não tem vez, Onde os fracos pontua só sobre a violência que sempre existiu nessa região, e ao fazer isso retrata muito pouco da ganância que motiva os homens a agirem fora de sua moral. O que sangue negro faz com uma maestria que falta em demasia nos filmes atuais.
Pingback: [Crítica] Bravura Indômita / True Grit | SOS Hollywood - Entretenimento com Relevância