Hoje tenho certeza, nasci para escrever. Tentei outras coisas, outras profissões, esportes, paixões. Mas há apenas uma coisa que me faz completo e realizado profissionalmente: escrever. Foi escrevendo que conquistei minhas asas, conheci minha esposa, meus ídolos e homenageei aquelas que amo. E é escrevendo que quero compartilhar uma história recente, triste, mas ainda assim, uma história. Que preciso escrever para assim, da melhor maneira que posso, honrar seus participantes e, em especial, ela.
Ela é minha avó. Elza.
Elza nasceu de família italiana, no coração da Mooca, nos tempos do bondinho da Rua dos Trilhos, da chegada da Fábrica da União e de quando os galpões de tecelagens e outras indústrias tomavam conta do bairro mais gostoso de São Paulo. Casou cedo com meu avô, André. Tiveram três filhas: Ana Lúcia, Elizabeth e Elenice. Vovô e tia Elenice partiram há muito tempo, mas deixaram grandes saudades em todos da família. Elizabeth é minha mãe querida. Mas aqui falo de minha avó.
Na tarde de uma quinta-feira de janeiro de 2008 o telefone tocou. Era ela, minha avó. Triste por saber que minha viagem se aproximava e que eu não a veria mais com tanta freqüência, ela ligou para saber se eu viria para Los Angeles mesmo e como estava me sentindo. Sempre preocupada. Sempre carinhosa.
Conversei bastante com ela, mas estava meio triste. Reclamei barbaridade da minha mãe, mas ela me fez ver que era bobeira ficar irritado, ainda mais tão perto da viagem. Faltavam apenas cinco dias para me distanciar de todos que amo.
E continuamos conversando, por uma meia hora. Ela me disse que estava cansada, sentindo um mal estar, mas que descansaria para se recompor. Durante a conversa, eu prometi que não descansaria até fazer a viagem valer a pena e que, em alguns meses, eu voltaria para levá-la para conhecer os Estados Unidos. De uns anos para cá, aprendi que a melhor coisa que pode ser dita àqueles que amamos é: eu te amo. E assim me despedi dela. “Vó, eu te amo, tá? Já estou morrendo de saudades. Te amo”. Meio insegura, como sempre para responder à minha devoção a ela, ela respondeu: “Eu também te amo”.
Foram as últimas palavras que ouvi da boca da minha avó. No dia seguinte, ela passou mal, foi para o hospital e, dois dias depois, faleceu. Tive ainda uma última chance de ir vê-la, mas, atendendo a uma última “ordem”, fiquei com meus pais, irmãos, tios e primos no churrasco de despedida. Única demonstração de afeto que tive antes da minha partida, aliás. Nada de bota-fora com amigos. Nada. Apenas minha família direta. Minha mãe disse que ela deu uma bronca quando ficou sabendo que eu sairia no meio do churrasco para ir visitá-la no domingo.
Segunda pela manhã, enquanto negociava matérias e contatos, preparando as últimas coisas para embarcar, minha esposa entrou chorando no quarto. De algum modo eu já sabia, mas não queria acreditar. Era a notícia. A maldita notícia que temi por tantos anos e que simplesmente me derrubou. Até hoje não sei como não caí de cara no chão, mas a reação foi a da não reação. Ausência de emoção, já que meu ceticismo proíbe qualquer tentativa válida de negação ou algo do tipo para algo tão definitivo. A morte. Ali estava ela. Na minha frente, nua e crua, sem roteiro de cinema, sem trilha sonora. Ela apenas é. E a gente sem poder fazer nada.
Ainda não chorei o suficiente. Aliás, ainda não chorei direito por ela. Iniciei essa viagem maluca para salvar minha família, minha dignidade e reencontrar o Fábio lutador, que saiu do subúrbio da Zona Leste de São Paulo para disputar espaço na grande imprensa do Brasil, que hoje mora em Los Angeles, mas vai dormir todos os dias lembrando de tudo que já passou e por quem faz todo esse esforço.
Aqui estou construindo uma nova vida e vivendo um sonho, mas triste por não ter fugido do churrasco e falado com ela uma vez mais. Abraçado uma vez mais. Dado um último beijo delicado em seus lábios. E ter dito, sem ser pelo telefone, uma vez mais, “Te amo, vovó”.
Tenho visto pessoas preocupadas com picuinhas, intrigas, gente desmoralizando meu trabalho, duvidando da minha dignidade, desacreditando minha promessa e nada disso faz sentido. Trocaria cada momento aqui, cada notícia apurada, cada entrevista feita por um reles minuto ao lado da minha avó. Um minuto. Uma frase. Um simples carinho. Hoje, entendo como nunca David e sua Fada Azul. Um dia pela eternidade.
A vida ganha mais valor quando algo assim acontece. Gostaria muito que a gente percebesse isso antes de acontecer que, assim como eu, as pessoas aprendessem a dizer “te amo” e não se preocupar com quem não merece seu amor. Mas cada um tem seu momento de aprendizado. Felizmente, o meu chegou antes e pude segurar a barra de ficar longe da minha esposa amada e da minha filha antes de virem morar comigo aqui. Felizes, numa nova realidade, numa nova chance que o Brasil me nega, infelizmente.
Carreguei o caixão de minha avó em seu último passeio. Fiquei junto dela o quanto pude até que a tristeza e o sono me afastaram do duro velório. Olhei para ela e, mesmo triste, pude me sentir orgulhoso por saber que a última coisa que dissemos um para o outro foi “Eu te amo”.
Já faz quase dois anos que tudo isso aconteceu. E ainda não chorei o suficiente. Provavelmente nunca o farei. Mas o amor permanece. Uma parte da promessa eu não posso cumprir, a outra, eu não abro mão. Mesmo com as lágrimas lavando o rosto e tentando apagar a dor, que ainda é latente e imensurável. Só posso lembrar, honrar seu sacrifício e mostrar ao mundo que ela passou por aqui e fez o Bem.
Obrigado por tudo. Sempre te amarei.
Salve salve, Grande Barreto.
Começo confessando: as lágrimas vieram lavar meu rosto enquanto lia o texto.
Passar aqui, no SOSHW, é sempre uma surpresa, e sempre ótimas surpresas!
Primeiro, conhecer o teu trabalho, que desde que conheci, no RapaduraCast, eu já admirava. Depois a nova perspectiva que o podcast – SOSCast – tomou e que eu gostei bastante.
Na escrita, você veio “maltratando” (rs) com o texto no aniversário. Ali eu comecei a conhecer o Barreto, este brasileiro guerreiro que hoje conheço um pouco melhor e admiro este ser humano cada vez um pouco mais.
Mas o assunto hoje é vovó!
Ah, fui lendo o texto, você dizendo com tanta saudade, tanto carinho, e eu pensando nas minhas vovós, que ainda tenho a felicidade de poder conviver com elas.
Vovó Maria, mãe de papai, é mais séria, mais na dela, mas nunca faltou com carinho e sensatez. Sempre na dela, sim, mas nunca negou palavras de apoio e sorte.
E aí tenho a vovó Inhá (assim mesmo, Inhá), mãe de mamãe. Sabe aquela vovó que começa a falar e todo mundo para pra ouvir? Mulher de braço forte, baixa estatura, cabelo branquinho feito neve, tipicamente italianinha. Ela está sempre pra lá e pra cá, em casa: faz café novo, faz chá, faz bolo. Se os netos ligam pra avisam que irão jantar lá, sempre tem um dengo. Cada neto o seu! Eu com meu angu de fubá, carne moída com quiabo, feijão novinho e carne de sol (cozida e frita).
Perdemos tanto isto, não é?! Esta coisa tão simples que é dizer “te amo” a quem amamos. Complicamos as coisas simples da vida em prol de que?!?
Deixamos de deitar no colo da mãe e receber um cafuné; de jogar conversa fora com o pai; de levar o irmão pra joga bola com a gente; de levar uma flor pra maninha e lembrar a ela que ela é amada em casa…
Tomara que não percamos estes pequenos, sinceros e puros prazeres da vida. Afeto famíliar, quando sincero, não há nada igual.
…
Você faz de propósito. Escreve assim de covardia …rs…
Sim, eu li, refleti, chorei e amanhã quando acordar, não serei o mesmo que era antes de ler o texto, o seu texto.
Obrigado, Barreto!!
oi Paulo,
olha, nem sei o que dizer do seu comentário. sinceramente, fiquei sem reação pela relevância de tudo que você disse. obrigado por mostrar que essas emoções ultrapassam um simples texto.
um abraço.
Eu já conhecia este texto. Chorei muito da primeira vez e chorei novamente hoje.
Mas hoje, mais do que antes, eu sei o quanto vale esse carinho que temos com eles quando ainda estão conosco.
E o quanto é bom a sensação de que, quanto eles partem, foram com a certeza de que os amamos, Isso meu caro, não tem preço.
Mesmo sabendo que você não acredita plenamente, eu tenho certeza de que vovó Elza está assistindo sua luta e vibrando com suas vitórias como sempre fez.
E a melhor homenagem que você pode fazer a ela é ser feliz e conquistar tudo de bom que a vida lhe oferece, isso fará com que a vida dela tenha valido a pena.
Beijos Meu Poeta, amo você
Pingback: SOS Hollywood
Ahh.. Barreto,
muito obrigada por me fazer chorar tanto logo cedo!!!!
Eu infelizmente mal conheci uma de minha avós, a outra já havia falecido qdo nasci. Esta outra faleceu qdo eu tinha meus 4 anos, acho, nem tenho certeza. E as lembranças que tenho dela são poucas, infelizmente…
Mas o que pegou do seu texto pra mim, foi a distância que estou da minha mãe. Distância menor que a sua da sua família, claro, mas ainda assim, distância que não permite eu ir vê-la qdo dá vontade, mas apenas duas vezes por ano……
Tem dias que os problemas “desabam”, bate aquele desespero, e a vontade de tê-la por perto pelo apoio, ou até mesmo pra me abrir os olhos é grande demais.
Saudade, vontade de estar perto…..
Que bom seria se a “grana” fosse abundante e essas idas e vindas mais frequentes. Melhor ainda seria se eu pudesse trazê-los pra pertinho de mim. Sim, eles, mãe, pai, irmãos, cunhada, sobrinhos….
Eu sempre fui grudada com a família, e não tem sido fácil, estar longe… quase 6 anos…como o tempo passa….
Já não é de hoje que sei, que temos sempre que demonstrar o amor que sentimos pelas pessoas, peninha que muitas vezes nos esqueçamos disso. E é ótimo qdo algo ou alguém nos faz lembrar disso. Obrigada!
Tenho certeza, sua vovó olha por vc e por todos os seus, lá do céu…
Parabéns Barreto, pelo seu trabalho.
Sucesso, hoje e sempre!
Pingback: Nick Ellis
Pra não ser repetitivo dizendo que aprecio teus textos de viés mais literário, vou fazer um comentário curto.
Um escritor é um inspirador de pensamentos. Quando bom naquilo que faz, essa habilidade transborda e faz inspirar até sentimentos. Os anteriores já declararam que esse teu texto transborda o usual e inspira emoções. Parabéns. Valorosa homenagem!
Cara… depois do Rapaduracast sobre a Melhor Idade, vem esse menifesto de amor do Barretão. Impossível não chorar. Meu avô paterno faleceu no fim do ano passado, foi um baque monstruoso. O 1o dos meus avós que se foi, e eu não estava nem um pouco preparado… nunca pensei muito sobre morte, acho que por não suportar a idéia. Mas, claro, ela veio pra alguém próximo. Foi (perdão da palavra) FODA. Demorei muito tempo pra me recuperar, conseguir lembrar do meu avô sem chorar, relembrar as coisas boas da vida dele. Ainda tenho meus 3 outros avós, mas infelizmente não tenho mais tanto contato com eles… eu praticamente vivia na casa deles, minha avó materna é algo além de uma mãe pra mim. Sabe alguém que te defende incondicionalmente contra tudo e todos? Então. Costumo dizer que ela é única pessoa que eu tenho certeza que me ama, hahaha.
Enfim, valeu por mais uma obra-prima em forma de texto, ó artista das palavras(?). Essa homenagem a sua avó acaba homenageando todas as vovós e vovôs do mundo. Abraço!
Lindo texto. Me emocionou. Não sei o que dizer. Grande homenagem à sua vó, e meus pêsames, apesar de 2 anos já terem se passado.
Assim como os outros que comentaram, lágrimas vieram ao meu rosto.
São lágrimas de medo, emoção e identificação com partes do que poderia acontecer e que aconteceram comigo.
Acho que reclamo pelo tapa na cara que é esse texto, ao ver que as vezes me nego a ser verdadeiro assim com alguém que amo, mas agradeço muito pois com certeza refletirei sobre isso graças a esse texto.
Impressionante como consegue transmitir emoções e idéias através de seus textos. Resultado daquilo que ama e do sacrifício dos que ama.
Parabéns, e muito obrigado.
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olha, emocionante o seu post, barreto! parabéns, de coração. eu não sabia desse seu ‘lado’, porque sempre olho de relance o SOS, e presto mais atenção em suas participações no rapaduracast mesmo. mas pode ter certeza: a partir de agora você ganhou uma admiradora. :]
Um texto emocinado, muito próprio e particular, mas que se tu já viveu algo parecido, vai sentir a mesma coisa.
Obrigado Barreto, por nos proporcionar esta homenagem.
Willtage 😉
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Oi, Fábio.
Não conheci meus avós e meus avôs, apenas o meu avô paterno em uma visita muito rápida quando eu devia ter uns 7 anos de idade e das história da minha mãe sobre seu pai adotivo que cuidava da linha do trem. Em algum lugar no tempo eu imaginava como seria ter um avô ou uma avó, mas com certeza não chega perto do que realmente seria. Minha família é muito dispersa por conta disso, meus avós faleceram quando meus pais era muito pequenos, minha mãe foi criada com outra família, e longe de suas irmãs, e meu pai tinha uma madrasta que tinha outros 5 filhos além dos irmãos do meu pai. O que tornou a família bastante dispersa. Nunca tive primos de verdade, sempre fomos apenas a nossa família.
O fato é que eu nunca imaginei se queria ser mãe, mas eu sempre quis ser avó, e imaginei domingos com uma grande ceia. Irônico pra quem mora em um país tão distante de tudo, e mesmo que tão desenvolvido, com uma visão tão diferente sobre relações humanas. Não sei se isso vai de fato acontecer um dia, mas quem sabe, né?
Barreto,
parabéns, foi uma linda homenagem. Você escreve de uma forma tão bonita. Também tive uma perda muito grande quando o cancer levou a minha mãezinha a pouco mais de 2 anos. Esse sensação de que não choramos o bastante, acho que nunca passa.
Mais uma vez parabéns pelo post. Muito emocionado.
Abração.
Jacqueline Lemos
Amigo,
A gente sente falta de quem nos deixa.
Por isso choramos.
Porque temos saudade.
E a gente sente a falta do que nos faz bem.
Obrigado por me lembrar de valorizar minha mãe (meus avós todos já se foram, assim como meu pai).
Afinal, a gente tem que dizer muito “EU TE AMO”.
Beijos e saudades