Vida virtual depois da morte

No meio de uma sessão maluca de brainstorms que gerou dezenas de ideias que nunca foram para a frente, há coisa de 7 anos, confabulei com uma amiga sobre um negócio de ouro: oferecer um serviço funerário online, ou seja, fazer o cliente se cadastrar num site que gerenciasse a vida online da pessoa após a morte, basicamente fechando a conta e deixando claro o destino do querido usuário. A ideia foi engraçada na hora, mas a natureza do negócio era mórbida demais. Não me sentiria bem tratando disso, por razões pessoais. Bem, outras pessoas não e o serviço foi criado, afinal, a pergunta se torna cada vez mais relevante: o que acontece com a nossa vida online nas mídias sociais depois da morte?

Andei pensando nisso novamente há alguns meses, depois que o querido amigo Oswaldo Lopes Jr faleceu. Por sorte, e destino, sinceramente, o igualmente querido Clinton Davisson estava por perto e cuidou dos últimos momentos do colega tanto fisicamente quanto virtualmente. Outros não tem tanta sorte e o resultado são perfis, contas, assinaturas e outras formas de presença online que permanecem ativas pela eternidade, afinal, não compartilhamos senhas, práticas ou desejos do que deve ser feito no caso de fatalidade. O Facebook também andou pensando nisso. Inicialmente, depois da confirmação do falecimento, o site transformava a página num memorial cheio de limitações. Agora, eles criaram uma modalidade específica para definir um herdeiro virtual, ou seja, alguém que vai ficar responsável pela página. Para acessar, basta clicar em Configurações / Segurança / Legacy Contact (ver foto abaixo). Aí, a pessoa escolhida recebe uma mensagem de contato (por SMS ou e-mail), explicando o que aconteceu e perguntando ao usuário se ele gostaria de conversar sobre a responsabilidade. Importante: não funciona com páginas, afinal, ele escolhe um contato da lista de amigos e como páginas não têm amigos, é impossível escolher alguém. Se não quiser fazer isso, pode escolher que a conta seja apagada, mas alguém ainda precisa comprovar o falecimento.

Outros serviços como o Legacy Locker, armazenam todas as senhas e outros recursos online, e enviam para o herdeiro selecionado pelo usuário após a morte. Por um preço módico, claro. Cerca de US$ 30. É praticamente como um testamento confiado ao advogado. Entretanto, há um problema: em todas as opções, o sistema em questão precisa ser notificado da morte. Logo, algum parente precisa saber da existência dele de qualquer maneira. Não seria mais fácil passar as senhas diretamente? Sim, mas ninguém gosta de pensar nisso.

Mas devemos? Bem, é inevitável. Pensemos pelo lado oposto, a criação da vida digital. Há coisa de dois meses, precisei criar meu pseudônimo norte-americano a pedido do meu agente. O cara não existia, logo, precisava ser construído. Depois de dois dias, consegui criar Facebook, Twitter, G-mail, blog, perfis, compilar fotos que contribuíssem para transmitir o que ele representa e etc. Dá um trabalhão. Pensei em usar a mesma senha para tudo, mas cada sistema tem sua peculiaridade, logo, gerou um volume imenso de identidades (13 senhas, para ser mais preciso). Se uma pessoa “que não existe”, não quero nem pensar em quantas senhas eu tenho e como isso será gerenciado depois do fim. Provavelmente, o fim será o mesmo de tantas pessoas despreocupadas com esse problema.

Fantasmas

Vou virar um Fantasma Virtual? E a Internet está cheia deles. Pense bem, quantas amizades você mantém cujo único meio de contato é um canal digital? A ausência de respostas pode significar um suicídio digital, claro, mas, em alguns casos, representa algo mais definitivo. Pelo menos, muita gente que opta por sair das redes se dá ao trabalho de apagar tudo e o rastro se perde. Em caso de morte, a maioria simplesmente fica para trás. A maioria dos maiores sites não apaga perfis por inatividade (Facebook e Twitter, por exemplo) e uma porrada de conteúdo fica para trás. As contas e conteúdo ainda aparecem em buscas (embora o Facebook limite o acesso dos Memoriais apenas a amigos pré-existentes), alias.

Desde 2013, o Google permite que os usuários escolham beneficiários para as contas e produtos (YouTube, Drive, Gmail, etc). O Inactive Account Manager vai, ativamente, enviar uma mensagem de contato se você ficar inativo depois de um período de tempo de terminado – entre 3 e 18 meses. Se você não responder, o Google entra em contato com o herdeiro. É um modo interessante, pois independe do contato ativo de algum familiar, o sistema cuida disso. No Twitter, um membro da família precisa entrar em contato e fornecer prova de falecimento (certidão de óbito) para que a conta seja desativada. Alguns estados norte-americanos estão estudando leis que obriguem os sites a dar o controle das contas para familiares ou companheiros.

Devo dizer que, por conta dessa matéria, comecei a ativar esses serviços e bateu uma tristeza profunda, afinal, é preciso escrever algumas mensagens póstumas e a sensação é estranha. Entretanto, tudo isso é necessário. Há muito guardado atrás dessas contas: fotos, vídeos, textos, lembranças de algo bom que acabou, mas, que nem por isso, precisa ser esquecido.

3 comentários em “Vida virtual depois da morte”

  1. Engraçado. Estava pensando nesse assunto na semana que passou. Uma conversa sobre como lidar com investimentos financeiros em caso de falecimento me colocou para pensar sobre como lidar com a vida digital de um ente querido na mesma situação.
    Por mais delicado que seja o assunto, é legal ver que os administradores dos serviços também estão se preocupando com isso.

  2. Há alguns anos penso nisso, e nunca tive coragem de tomar uma ação para repassar senhas ou escolher um “legacy contact” pra um caso desses. Não sei, é tão estranho pensar nisso. Confesso que não sei se legaria isso para meus pais. Acho que seria algo difícil demais pra eles, eu preferiria deixar essa responsabilidade pra outra pessoa no caso de algo tão trágico.
    É bom ver como as corporações, que a gente enxerga como esses monstros sem piedade nenhuma, estão se mexendo pra fazer algo em caso de falecimento do usuário.

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